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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Reforma Agrária e Urbana no Brasil já!


O Comunicado nº 42 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “PNAD 2008: setor rural”, aponta para o Governo brasileiro a necessidade de políticas públicas para que possamos ter, nesse país, uma ampla reforma agrária e urbana. Segundo o documento, muitos problemas presentes nas cidades têm raízes na “não realização de uma reforma agrária, isto é, de uma verdadeira política pública de distribuição de patrimônio”.

O documento dá ao Estado brasileiro elementos para mudar a rota do financiamento público, em vez de financiar fusões de grandes conglomerados empresariais, deve investir no bem está do povo. A mídia burguesa tenta reduzir os problemas urbanos a uma questão de policiamento e repressão, mas é através de uma política séria que prioriza a reforma urbana e reforma agrária que o Estado garantirá condição imprescindível à formatação das políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural e urbano no Brasil.

A reforma urbana deverá garantir a implementação da Lei Federal 10.257/01 na perspectiva da igualdade social, da universalização dos direitos e da participação popular, integrando saneamento ambiental, transporte público, uso do solo, política fundiária e habitação. Precisa, também, assegurar o acesso democrático aos recursos ambientais e paisagísticos, reduzindo os riscos ambientais e promovendo uma efetiva melhoria da qualidade de vida. É fundamental, também, o fortalecimento da economia popular através de políticas de acesso ao crédito, de capacitação e apoio à comercialização.

A Política Nacional deve garantir o acesso à água tratada, disposição adequada de esgotos sanitários, coleta de lixo e drenagem de águas pluviais para todos. A gestão ambiental dos resíduos líquidos e sólidos precisa estar integrada com a política urbana. O planejamento urbano, que privilegia a mobilidade das pessoas deve eleger o transporte público e coletivo como prioritário, em detrimento do automóvel. A segurança pública deve ser parte integrante da política urbana em todas as esferas de governo, superando o enfoque meramente repressivo. É fundamental que as políticas de desenvolvimento econômico e de investimentos privilegiem a distribuição de renda e ampliação da oferta de empregos, com remuneração digna e preservação dos direitos sociais e trabalhistas.

O desenvolvimento econômico industrial que o Brasil viveu resultou numa acelerada urbanização do país que teve nas áreas rurais e urbanas, um caráter conservador de desenvolvimento. Assim obrigou a mão de obra rural migrar para as cidades, sem, contudo, alterar o padrão fundiário dominante.

O discurso da mídia burguesa que afirma a inexistência de demanda social por reforma agrária é o mesmo que apóia a criminalização de movimentos sociais de luta pela terra através dos quais essa demanda se torna real. Assim defendemos uma Reforma Agrária ampla, que assegure terra para quem nela vive e trabalha e políticas agrícolas e agrárias que melhorem a qualidade de vida no campo. Uma efetiva Reforma Agrária se refletirá na relação mais equilibrada entre campo e cidade e na garantia da segurança alimentar para todos. Defendemos, também, o direito dos habitantes das cidades à moradia digna, acesso a terra urbana, à saúde, à educação, ao meio ambiente, ao transporte e aos serviços públicos, à infra-estrutura urbana, ao saneamento ambiental, ao trabalho, ao lazer e a cultura como resultado de uma reforma urbana justa para todos.

sábado, 26 de novembro de 2011

Violência Contra as Mulheres, Tolerância Nenhuma!



Vinte e cinco (25) de novembro é Dia Internacional de luta pelo fim da violência contra as mulheres. A proposta de celebrar esta data surgiu no I Encontro Feminista Latino Americano e do Caribe, em 1981, e foi escolhida para homenagear as irmãs Mirabal (Minerva, Pátria e Maria), da República Dominicana, que, em 1960, durante a ditadura Trujillo, foram brutalmente assassinadas. Esta é uma data importante para o conjunto dos movimentos sociais, especialmente aqueles em que tem em suas diretrizes de atuação a luta por uma sociedade com igualdade entre homens e mulheres, caso da Central Única dos Trabalhadores.

A violência contra as mulheres tem suas bases na existência de relações desiguais entre homens e mulheres. São sustentadas pela construção social do ser mulher como gênero feminino inferior ao ser homem como gênero masculino. Como decorrência dessas relações desiguais de gênero, todas as mulheres estão sujeitas a esse tipo de violência simplesmente por serem mulheres, e, por isso, chamamos de violência sexista.

Como todos os outros aspectos da opressão das mulheres, a violência sexista foi construída socialmente e tem sua base material na divisão sexual do trabalho. Essa base material se sustenta na construção de uma cultura capitalista e patriarcal, que desqualifica as mulheres, que faz com que sejam consideradas coisas, objetos de posse e poder dos homens e, portanto, inferiores e descartáveis.

Particularmente para nós do movimento sindical esta é uma data que nos permite denunciar e reafirmar a luta pelo fim de todas as manifestações de violência contra as mulheres, especialmente aquelas que ocorrem no âmbito do trabalho.

O desequilíbrio de poder nos locais de trabalho e as condições precárias de emprego de grande parte das mulheres expõem milhares de mulheres a diversas formas de violência e de controle sobre seus corpos. Existe uma considerável quantidade de empregadores que controlam os horários em que as mulheres podem ou não ir ao banheiro, que tem rígidas regras sobre as roupas das mulheres a serem utilizadas, que em nome de um “controle de qualidade” chegam inclusive a impor que as mulheres devem tomar remédios e hormônios para não menstruarem.

A desigualdade salarial, a restrição na contratação, as dificuldades na ascensão a cargos de chefia, o inaceitável assédio sexual e moral, e a cobrança em cumprir horas extras tem em seu alvo prioritário também as mulheres. Assim como os casos de LER e DORT que são mais freqüentes entre as mulheres, por estas concentrarem-se em atividades mais repetitivas e que requerem maior habilidade manual.

Nada justifica a violência sexista, entretanto, ela ainda é considerada algo atual na vida das mulheres, como se fizesse parte do destino. Por isso, muitas vezes não nos damos conta de que, em determinados momentos, estamos sendo vítimas de violência sexista. Naturalização é quando as coisas começam a parecer naturais, normais, e as pessoas se acostumam e se acomodam diante delas, mesmo quando não há nada de normal como no caso da violência.

Não é natural que a cada duas horas, uma mulher seja assassinada no Brasil, que seis em cada dez brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima de violência doméstica; que 30% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência doméstica; conforme demonstram o Mapa da Violência do Ministério da Justiça, e da pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC), ambos de 2011. No mundo a violência doméstica é a que faz mais vítimas no mundo, diretas por meio de assassinatos e agressões ou aumentando o índice de suicídios e causando repetência escolar dos filhos.

Em muitos casos, há uma tentativa de justificar a violência sexista pela maneira como a mulher se comporta, ou seja, que ela mesma provoca e é culpada pela violência. Não é possível aceitar o absurdo discurso de responsabilização das mulheres, muito mesmo a idéia de que “mulher gosta de apanhar”. Trata-se de expressões, em si mesmas, já absurdamente violentas, que banalizam e chegam até mesmo a legitimar os elevados índices de crimes contra as mulheres que ocorrem em todo nosso país.

A violência não pode ser camuflada. É importante visibilizá-la para afirmar que ela existe que é preciso combatê-la e para ter dimensão de sua extensão. Além disso, uma vez que há outros mecanismos que contribuem para a perpetuação da violência, porque incidem na desigualdade entre homens e mulheres, é preciso ter política para enfrentar a situação como um todo. Caso de políticas públicas que caminhem no sentido de compartilhar as tarefas de cuidado entre mulheres, homens e Estado, por exemplo, as creches e os centros de educação infantil, bem como a necessidade de um orçamento público compatível para atender qualitativamente as demandas das delegacias de mulheres e das casas abrigos.

A violência deve ser enfrentada pelo conjunto da sociedade, como um problema político, social e coletivo, e não mais particular individual. Desta maneira, o combate à violência contra as mulheres requer uma ampla articulação entre as mais diferentes esferas da vida social, ou seja, é preciso que os movimentos sociais estejam em unidade por uma forte mobilização por transformações gerais na sociedade, incluindo o componente feminista nesse projeto.

Este ano a Lei Maria da Penha completou cinco anos. Sem dúvida foi uma importante conquista do movimento de mulheres e feministas. Entre as novidades trazidas por essa lei estão: “A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação de direitos humanos” sendo, portanto, um crime e considerar que as relações interpessoais independem da orientação sexual. Apesar de ser um importante instrumento para defesa de nossos direitos as estruturas não estão adequadas, os profissionais das diferentes áreas não estão suficientemente qualificados.

Os obstáculos não se limitam a uma inadequação de infra-estrutura. Existem ainda aqueles relacionados à capacitação dos funcionários e funcionárias, muito desses não reconhecem a violência contra a mulher como violência. Também é importante divulgar e debater o conteúdo da Lei, pois é um instrumento importantíssimo para a proteção dos direitos das mulheres e, para tanto, reconhecê-las como sujeito de direitos é fundamental.

É uma lei a ser comemorada, mas ainda precisa ser debatida aprimorada. Por isso é importante iniciativas como a do deputado Vicentinho, que promoverá uma sessão solene em homenagem a este dia, sexta-feira, 25 de novembro, às 15 horas, no Plenário Ulysses Guimarães.para. O objetivo renovar os esforços pelo fim da discriminação, da exclusão e da violência contra a mulher.

E a campanha pelo fim da violência contra as mulheres que a Secretaria de Politicas para as Mulheres do Governo Federal (SPM) que terá o tema Quem ama, abraça. Uma campanha que estará na TV, no metrô e nas ruas de importantes capitais brasileiras. A principal peça da campanha, um videoclipe gravado por grandes nomes da MPB será veiculado nacionalmente nos canais de televisão abertos e fechados com a propostas de enfrentamento da violência contra as mulheres e promoção de uma cultura de paz.

A campanha tem objetivo de estimular o debate sobre o tema e denunciar os absurdos números da violência contra as mulheres em nosso país.

Também no último domingo, dia 20 de novembro, antes de ter início o jogo Corinthians e Atlético-MG no estádio do Pacaembu, em São Paulo, os jogadores do time paulista levaram uma mensagem especial aos torcedores e demais atletas: a luta pela eliminação da violência contra as mulheres e meninas. Utilizando um jargão futebolístico, segundo a agência Corinthians, o objetivo da campanha é sensibilizar os torcedores de futebol e dar um cartão vermelho para a alarmante realidade das mulheres e meninas no Brasil.

As duas iniciativas são muito importantes e, certamente, atingirão um grande número de pessoas para dizer que a violência que é praticada contra as mulheres não é natural e deve ser prevenida e combatida.

A CUT tem entre seus princípios a luta por uma sociedade livre de qualquer tipo de exploração e preconceitos, uma sociedade em que homens e mulheres possam viver livremente. Não nos calaremos diante de manifestações de violência sexista – Violência Contra as Mulheres, Tolerância Nenhuma

Escrito por: Rosane Silva, secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Reforma Sanitária 35 anos: renovar a política preservando o interesse público na saúde


O processo de crescimento econômico brasileiro concentra ainda mais o capital, disputado por grupos privados e frações de mercado, cujos objetivos são antagônicos ao interesse publico. A política de desenvolvimento nacional atende a pressões atreladas a interesses privados sem compromisso com a universalidade dos direitos sociais, a preservação ambiental e a justiça social.

Merecem destaque os avanços na redução das desigualdades sociais e na diminuição da pobreza ocorridas nos últimos anos. Quando as classes sociais conquistam mudanças por lutas políticas para melhoria de condições de vida, o resultado é o acumulo social de consciência política pelos direitos coletivos. As políticas governamentais de distribuição de renda ocasionaram mudanças, mas o foco ficou restrito a ampliação da capacidade de consumo dos mais pobres.

Para o mercado, o direito ao consumo se, sobrepõe ao valor coletivo dos direitos sociais, prevalecendo os interesses individuais e esvaziando o sentido coletivo da “Política” na sociedade. O modelo de desenvolvimento socialmente justo se baseia na universalização dos direitos sociais e não apenas na idéia de ampliação do consumo, que é objetivo do mercado. As disputas entre os interesses públicos e do mercado dependerão da correlação destas forças políticas.

A História mostra que a conquista dos direitos sociais universais é fruto das lutas democráticas e populares, nunca origina da elite política ou do Estado. A democracia precisa ser resgatada, pois as instituições democráticas brasileiras, incluindo os partidos políticos, são hoje reféns da conquista ou da manutenção do poder. Os programas dos partidos políticos não se comprometem com a defesa de idéias e projetos para atender as necessidades e interesses coletivos. Esta situação tem graves repercussões sobre os direitos sociais e de cidadania. Como exemplo, a conhecida pressão religiosa contra a legalização do aborto, pela criação de comunidades terapêuticas pra tratamento da dependência química, ou em políticas distorcidas pelos interesses dos grupos financiadores das campanhas políticas.

A situação atual da democracia participativa reflete a despolitização da sociedade e é marcada pelo corporativismo, cooptação e menos pela defesa dos interesses públicos. Na saúde, o Movimento da Reforma Sanitária sempre depositou e deposita ainda grande expectativa na participação social na luta e conquista da saúde como direito social, mas é necessário avaliar os seus reais avanços e retrocessos nas instancias dos conselhos e conferências, que, muitas vezes colocam os interesses privados ou de grupos específicos acima do interesse público. A baixa capacidade dos serviços do Estado em atender às necessidades e demandas da sociedade se agrava a cada dia. Entre as complexas causas e conflitos de interesses relacionados ao problema, destaca-se o tendencioso pacto federativo, com recursos e decisões altamente centralizadas, com transferência de responsabilidades e atribuições para os municípios e estados.

A reforma tributária que poderia corrigir essa distorção é continuamente adiada e protelada pelo interesse de manutenção da governabilidade, imobilizada pelos grupos de interesses que patrocinam e sustentam o governo. O mesmo ocorre com a reforma do Estado, hoje apoiado em estrutura burocrática, centralizada e centralizadora. A ineficiência do Estado é justificativa frequente para a transferência de responsabilidades para agentes privados, que atuam de acordo aos seus interesses, frente a pouca capacidade regulatória que deveria preservar o interesse público. Na mesma perspectiva, também vem sendo adiada a reforma política que tende à construção de um grande acordo com acomodação de todos os interesses dos diversos grupos envolvidos.

Para agravar, o Governo reforça a imagem da ineficiência do setor público, ao valorizar as parcerias público-privado nos seus programas, para transferir tecnologias para o aperfeiçoamento da gestão pública, Fica no ar a preservação dos interesses públicos que deveria prevalecer na gestão pública no lugar do gerencialismo e mercantilismo típicos do setor privado. Os avanços da Reforma Sanitária, especialmente no componente dos resultados da implantação do SUS, não foram poucos e devem ser celebrados como conquistas sociais. A universalidade da cobertura dos serviços ainda não é fato, mas efetivamente houve uma ampliação do acesso aos serviços de saúde. Entretanto prevalecem as dificuldades de acesso, a baixa qualidade dos serviços, a fragmentação da oferta, e não há integralidade na atenção. O insuficiente financiamento público da saúde tem sacrificado o sistema, penalizando os municípios e a persistência desta condição mostra a pouca prioridade governamental para a saúde publica.

A diminuição progressiva do financiamento público da saúde, em especial no nível federal com retração progressiva, ocasiona um ônus real para os mais frágeis, ou seja, os municípios e milhões de famílias brasileiras. É impossível um efetivo sistema público de saúde, universal e integral com o atual gasto anual per capita de US$ 340 , quando, o gasto público per capita em sistemas europeus com diretrizes similares, é de pelo menos US$ 1000 por habitante. O retrocesso nas bases constitucionais do direito a saúde fica exposto pelo grande crescimento do mercado privado de saúde. Os planos de saúde prosperam por um processo predatório do dinheiro público. Dentre os mecanismos que favorecem e convivem hoje passivamente, destacam-se: as renúncias fiscais tanto para empresas que contratam planos para seus empregados como na renúncia fiscal para contribuintes individuais; o não pagamento do ressarcimento de serviços prestados pelo SUS para beneficiários de planos ou na transferência de pacientes onerosos para o SUS .

O gasto de dinheiro público para pagamento de planos privados para servidores públicos, representa uma contradição e um efetivo subsídio público aos planos privados de saúde. É necessário apontar essas distorções e, de forma republicana, garantir que o dinheiro público não seja usado para violar o interesse público. O plano de saúde é usado como forma de controle das empresas sobre o trabalhador, transformado-o em refém do patrão, portador da chave para o acesso a atenção medica. Por um lado os planos são usados como moeda de troca nas negociações com sindicatos, por outro, as empresas negociam com os planos de saúde a melhor maneira de descartar os empregados que oneram o plano.

É importante valorizar os esforços atuais em instituir normativas necessárias orientar o funcionamento do SUS. Mas é preocupante a presença recorrente de propostas baseadas no conceito de "padrões de integralidade", ou seja, que o município ofereça o que “puder” e não o que a população “precisa”. A proposta não é nova e sua retomada pode aprofundar as desigualdades na oferta e acesso aos serviços. Alem disso fere o principio da integralidade. Nesse contexto de conflitos de interesses dissociados dos interesses públicos, a persistência deste cenário reduz a possibilidade de sobrevivência, consolidação e legitimação da Reforma Sanitária nos moldes de sua concepção ampliada fundamentada na idéia inicial de saúde , bem estar e de seguridade social. e base do desenvolvimento social.

Pelo lado mais especifico da política setorial de assistência a saúde, fica mais distante a consolidação do SUS orientado pelos princípios constitucionais, ou seja, operado por rede de serviços públicos com complementaridade assegurada pelo uso racional dos serviços privados, garantindo a universalidade, qualidade e integralidade. Os interesses privados e de mercado apostaram no SUS que adere aos seus objetivos: de baixa qualidade, ineficiente e destinado para os mais pobres, É necessário debater sobre o desvio dos rumos do SUS para avaliar possibilidades de retomada do projeto político do direito universal à saúde. Para isso é imprescindível considerar:

• A prevalência dos interesses privados na base do projeto de desenvolvimento nacional em curso e a descaracterização da Saúde como uma Política de Estado com baixo investimento publico;
• A mercantilização e financeirização do setor que tem transformado a saúde em um dos campos mais lucrativos para investimento do capital financeiro e que induz o consumo de procedimentos, medicamentos e de Serviços Auxiliares de Diagnóstico e Tratamento (SADT);
• A exígua capacidade regulatória do Estado perante o setor privado, tanto da indústria, na incorporação tecnológica, como no mercado dos planos assistenciais ou mesmo na determinação dos preços para serviços e procedimentos. A regulação realizada atualmente valoriza o sentido cartorial quando deveriam garantir efetivamente a primazia do interesse público sobre os privados.
• O crescimento dos planos e seguros de saúde subsidiados com recursos públicos e a hegemonia do setor privado no mercado da oferta de serviços de média e alta complexidade,
• As sucessivas políticas e programas governamentais de saúde focados na fragmentação da assistência e apelos do marketing político, reformas administrativas de baixo impacto e especialmente a limitação resultante do subfinanciamento persistente;

Nessa conjuntura é pertinente retomar a idéia-lema do CEBES que situa a saúde como questão democrática "Saúde é democracia. Democracia é Saúde". Revisitar os direitos sociais e defender a saúde universal são caminhos obrigatórios. É preciso mudar a correlação de forcas políticas e fazer prevalecer os interesses públicos nas decisões sobre desenvolvimento econômico e social garantindo a democratização da sociedade e os direitos sociais. O momento da realidade nacional e do próprio setor de saúde, exige a mobilização e intervenção coletiva, articulada e persistente que recupere e renove os objetivos da Política e do Movimento de Reforma Sanitária, atualizando a agenda, sob a égide das conquistas constitucionais e analisando o projeto de desenvolvimento em forças e mobilização, com vistas ao desgaste da hegemonia atual e conseqüentemente, do seu modelo de saúde. No contexto mais amplo da ação política em defesa do direito a saúde, destacam se as seguintes pautas:

• Enfrentamento político e ideológico, no sentido de conhecer e denunciar as relações existentes entre os interesses públicos e privados,
• Promover o conhecimento, divulgação, transparência e controle dos fluxos de recursos públicos para setor privado.
• Ampliação da capacidade de regulação do Estado, seja do mercado de planos de saúde, seja na intervenção sobre a incorporação tecnológica ou na determinação de preços para serviços e procedimentos.
• Regulação e fiscalização efetiva, viabilizando o ressarcimento dos serviços do SUS prestados a beneficiários de planos de saúde e o efetivo respeito aos direitos dos usuários de planos, que sofrem constrangimentos de diversas ordens.
• Regular de fato e superar o atual sentido cartorial das agências e garantir efetivamente a primazia do interesse público sobre os interesses privados.
• Redução progressiva de benefícios fiscais que representam subsídio público ao consumo de planos privados de saúde, par e passo com o aumento do financiamento público da saúde, em especial no nível federal, cuja retração histórica vem penalizando a esfera municipal e milhões de famílias brasileiras.
• Mobilizar a população contra a Desvinculação dos Recursos da União (DRU) assegurar o adequado financiamento setorial garantindo a destinação de pelo menos 10% da Renda Bruta da União para o orçamento da saúde e aprovar, sancionar e implantar a PEC 29
• Combate ao discurso simplista que reduz o problema da qualidade do SUS aos reconhecidos problema de gestão e descarta os efeitos reais e concretos do baixo financiamento público.
• Maior aproximação da população com o projeto do SUS, que necessariamente passa pelo aumento da capacidade do sistema de atender de forma efetiva e com qualidade as necessidades e demandas dessa população.
• Reversão da tendência atual de privatização dos serviços públicos de saúde por meio de diversas estratégias desde a valorização de “parceiros estratégicos” privados, das relações “filantropistas”, da adoção das OSSs e OSCIPs. Reverter esta tendência significa apostar nas diretrizes constitucionais de gestão única do sistema único, de prioridade para a rede dos serviços públicos e caráter estratégico complementar dos serviços privados.
• Atuação contra a precarização do trabalho em saúde, que ocorre por meio de OSSs, OSCIPs, cooperativas, uso indiscriminado de contratações temporárias e emergenciais ou comissionadas, que afetam negativamente a qualidade dos serviços prestados e conduz os trabalhadores de saúde a defesa de projetos corporativos distantes dos interesses coletivos que orientam a Reforma Sanitária e o SUS.
• Pela dignidade, compromisso e qualidade dos trabalhadores da saúde que precisam de políticas especificas que envolvam a criação das carreiras públicas;
• Pela qualificação e aperfeiçoamento da gestão e gerencia do sistema, com planejamento de metas sanitárias e definição de estratégias de execução dos planos e acompanhamento que possibilitem uma política consistente e adequadas as necessidades da população.
• Pelo compromisso dos que defendem o direito a saúde assumirem o desafio de revistarem criticamente suas analises e atualizar o debate e a agenda política. No entanto isso deve ser realizado sem afastamento das bases constitucionais que são comprometidas com os interesses públicos e com a matriz conceitual e política da saúde coletiva. Estas bases preconizam um modelo de desenvolvimento justo e igualitário com intervenções sobre diversos setores identificados com questões estruturantes que são os determinantes sociais, das condições de vida, das desigualdades e iniqüidades sociais e de saúde.

Fonte: http://www.cebes.org.br

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Ideb, Enem e Sinaes: avaliações neoliberais do MEC e o “protesto/apoio” dos empresários da educação


A divulgação pelo Ministério da Educação – MEC do resultado da avaliação das instituições de ensino superior gerou reação dos empresários da educação. Os donos de faculdades questionam os critérios estabelecidos pelo SINAES e cobram estabelecimentos de novos critérios. Essa movimentação empresarial diz respeito ao fato das instituições privadas serem as reprovadas no SINAES. Assim, contraditoriamente, a mesma concepção avaliativa neoliberal do MEC defendida pelos empresários para educação básica, deve ser alterada para o ensino superior. Em Sergipe foram reprovadas no SINAES: a Faculdade Amadeus; a Faculdade Atlântico; a Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe; a Faculdade de Sergipe; a Faculdade São Luís de França; e a Faculdade Pio X.

Quando o Ministério da Educação divulga os resultados das avaliações neoliberais (ENEM e IDEB) são as escolas privadas que têm as melhores notas. Nesse momento, os empresários aprovam colocando outdoor, nota no rádio, televisão, internet apontando suas escolas como “modelos” a ser seguido. Entretanto, são esses mesmos empresários donos de escolas e de faculdades privadas que estão criticando o (SINAES). Assim os donos de escolas e faculdades apoiam os resultados do ENEM e IDEM, mas criticam os resultados do SINAES – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior.

A grita dos empresários, em relação à avaliação do ensino superior, mostra que não estão preocupados com a qualidade do ensino, nem mesmo em mudar a forma de avaliação existente no Brasil. Caso consigam, no futuro, melhorar as notas de suas faculdades no SINAES vão começar a apoiar, também, esse modelo de avaliação neoliberal do MEC.

O movimento dos trabalhadores em educação é contra aos modelos de avaliações neoliberais do Ministério da Educação. Para os professores, não dá para repassar a responsabilidade para a escola por um suposto mau desempenho, como se fosse culpa dos professores. O país precisa de um novo modelo de avaliação que leve em conta os conhecimentos do estudante na hora em que ele ingressa na rede de ensino, ou seja, um índice que possa medir quanto o estudante aprendeu. Portanto é um erro medir a suposta qualidade do ensino através de rankings. O ranqueamento entre escolas são prejudiciais para a educação e podem afetar o desempenho futuro das instituições de ensino.

Quando se faz o ranking de milhares de escolas às flutuações da média se superpõem. Portanto, se uma média pode flutuar para mais ou para menos, como é que eu digo que uma escola que teve um pouquinho menos de média é inferior à outra? Diante dessas falhas o mundo inteiro abandonou a ideia de ranking. Entretanto, o MEC continua com essa política de ranqueamento das instituições de ensino que é pedagogicamente equivocado.

Infelizmente os oito anos de governo Lula e o primeiro ano do Governo Dilma foram mantidos a mesma estrutura de avaliação do governo Fernando Henrique Cardoso. A política neoliberal de FHC foi mantida por Lula e Dilma com sérias implicações para a educação nacional. Esse modelo visa rotular as escolas públicas como insuficientes e justificar um discurso futuro para a sociedade da necessidade de privatização. Para ter sucesso nessa política, o modelo de avaliação para ranqueamento visa intensificar a gestão empresarial nas escolas com monitoramento do desempenho das escolas e competição entre elas para redistribuição dos recursos. Também a avaliação nacional pretende estabelecer economização de um currículo escolar único, priorizando as aprendizagens ligadas ao trabalho. Introdução de um currículo da subserviência, chamado de “linguagem do currículo mais humanista”. Nessa reestruturação curricular enfatizam o bem-estar espiritual, moral e mental.

Entretanto, o que os educadores defendem é que a avaliação valorize e envolva os atores da escola no processo local. Isso não significa deixar de fazer avaliações nacionais, mas que ela dê novo significado a este processo. As escolas precisam consumir os dados da avaliação, o que hoje não acontece. Esses dados têm de ter uma utilidade. Hoje, as escolas recebem relatórios técnicos, difíceis de serem digeridos e não há instrumentos de mediação entre as avaliações e a sala de aula. Precisaria haver uma avaliação institucional participativa, conduzida pela escola. Repassar a responsabilidade para a escola por um mau desempenho, como se fosse culpa do professor, não dá. É preciso indagar qual é a responsabilidade da política pública, da equipe da escola, da comunidade escolar e do professor?

Portanto, é preciso sim mudar os critérios de avaliação impostas, atualmente, pelo MEC que em nada contribuem para melhorar a qualidade do ensino no país, mas apenas para estabelecer ranqueamento e justificar privatização no futuro. Junto com isso, é preciso repensar, também, a situação do financiamento da educação, os conteúdos dos livros didáticos, as políticas de pacotes instrucionais, a formação inicial à distância, as condições de trabalho dos profissionais da educação e a qualidade de ensino das escolas privadas. Uma educação que possa respeitar o educando e assegurar-lhe a formação indispensável para pleno exercício da cidadania.

domingo, 20 de novembro de 2011

Todos querem usar o SUS


Por Hermann Hoffman* - 19 de novembro de 2011

Todos usam o SUS! SUS na seguridade social, política pública, patrimônio do povo brasileiro. Este é o tema da 14ª Conferência Nacional da Saúde (CNS) que acontecerá de 30 de novembro a 04 de dezembro deste ano, transcurso 25 anos da antológica 8ª Conferência Nacional da Saúde, iniciada numa segunda-feira, 17 de março de 1986, e que foi um elemento imprescindível de ruptura no processo da redemocratização do país acelerado pelo movimento de Diretas Já. A 8ª CNS como divisora de águas ainda viria a dar suporte à elaboração da Constituição de 1988, reconhecendo a saúde como um direito de todos e dever do estado (Art.196) e estabelecer bases fundamentais para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) não como uma política governamental, mas sim uma conquista social fruto do Movimento da Reforma Sanitária. É importante considerar que mesmo com todo o avanço da 8ª CNS no campo da saúde pública, nestes anos transcorridos, e com mais voracidade na década de 90, “o direito à saúde tem sido violado, postergado e utilizado como artifício para favorecer interesses particulares, sejam eles político-partidários, do mercado, ou mesmo de gestores públicos”.

A memória histórica das Conferências da Saúde revela o quanto avançamos na implementação de políticas públicas de saúde que tomaram corpo a partir dos debates da sociedade civil organizada nas Conferências, no entanto o sistema de saúde pública do Brasil, potência emergente, “único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que optou pela construção de um sistema nacional universal público de saúde, o SUS” ainda é atormentado pelas deformações anômalas de um passado que optou por privilegiar a lógica do ajuste econômico em detrimento das políticas sociais.

Na busca de soluções para as lacunas amplas ainda existentes no sistema, e com a participação social, depois de meses de debates e discussões nas pré-conferências e conferências nas suas etapas municipais e estaduais no país afora nos preparamos para a etapa nacional. Muitos foram os temas debatidos dentro dos eixos temáticos e muitos outros repetidos de Conferências anteriores que por distintas circunstâncias não foram operacionalizados como programas, basta uma rápida pesquisa para comprovar.

Toda a sociedade brasileira acredita que o resultado 14ª CNS será marcado por grandes avanços no setor da saúde pública que na sua radiografia exibe lesões antigas e novas, como o sub financiamento crônico, o acesso e a qualidade do acolhimento e muitas outras deficiências, mas como disse o Ministro Alexandre Padilha, “nada fará sentido se não tivermos humildade para compreender que há muito por fazer com uma obsessão maior, que é melhorar o acesso e a qualidade do atendimento a mais de 190 milhões de brasileiros. Esta é a prioridade estabelecida pela presidenta Dilma e que hoje é tema de debate da sociedade nas conferências municipais e estaduais até nossa 14ª Conferência Nacional de Saúde, em novembro. Todos usam o SUS. Vamos cuidar bem e fazer valer de fato esta conquista do povo e da democracia brasileira.”

* É sergipano, estudante de Medicina em Cuba e do Núcleo Internacional do PT
Fonte: http://pagina13.org.br/

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Abaixo-assinado Em defesa do caráter público da Fundação Aperipê

Para: Governador do Estado de Sergipe, Marcelo Déda Chagas

Nós, cidadãos e cidadãs residentes no Estado de Sergipe, preocupados e interessados com a Comunicação Pública em nosso estado, vimos, por meio deste abaixo-assinado, defender o caráter público da Fundação Aperipê de Sergipe.

Para nós, este caráter público precisa ser ampliado, a partir de quatro eixos centrais de mudanças:

1- Gestão - Com maior participação social no Conselho Deliberativo da FUNDAP, sendo este a instância superior de fiscalização e deliberação.

2- Financiamento – Com a criação de um fundo público específico que permita autonomia financeira à FUNDAP;

3- Conteúdo - Com a valorização da cultura sergipana em suas programações e autonomia frente ao Governo do Estado; e

4- Direitos trabalhistas – Com a criação do Plano de Cargos e Salários para os servidores e abertura imediata de Concurso Público.

Sergipe, 17 de novembro de 2011

Para assinar esse abaixo-assinado acesse o seguinte link: http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N16668

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Hospital do câncer, agrotóxicos nos alimentos e aumento de câncer na população


A disputa pela paternidade do hospital do câncer entre os políticos sergipanos é vazia e conta com a desinformação da população sobre o tema. Todos, os “pais do hospital” quando defendem a construção como necessária para o povo sergipano, não aprofundam o que vem gerando tão grande número de pessoas acometidas dessa doença. Queremos deixar claro que somos a favor da construção do hospital, pois os sergipanos doentes têm sofrido com a falta de medicamentos e aparelhos quebrados. Entretanto, a centralidade do debate deveria ser: O que está gerando o aumento dos casos de câncer em Sergipe e no Brasil? e como pensar políticas públicas para diminuir os casos de pessoas acometidas desse mal?

Estudos de Universidades e Institutos Superiores, em todo país, têm denunciado a relação existente entre o crescimento do índice de pessoas com câncer e o uso de agrotóxicos, basicamente, através da alimentação. Não são só as pessoas que manipulam o veneno que estão sujeitas a adquirir doenças. Essas doenças têm aumentado, também, entre os consumidores como câncer de próstata, testículos, mama, ovário e tireóide. Portanto, o uso de agrotóxicos na agricultura está relacionado a diversos tipos de câncer, aí incluídos os cânceres hematológicos, do trato respiratório, gastrointestinais e do trato urinário, entre outros.

Relatório do Programa Nacional de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aponta contaminação de cerca de 40% do tomate, alface e morango consumidos pelos brasileiros. De acordo com o documento, os riscos à saúde, tanto de trabalhadores das lavouras quanto de consumidores, é decorrente do uso de agrotóxicos não autorizados ou acima dos limites máximos permitidos pela legislação.

A utilização de agrotóxicos na agricultura foi iniciada na década de 1920, mas somente depois da segunda guerra mundial tais produtos passaram a desempenhar, em nome do lucro, importante papel na agricultura que resultaram na Revolução Verde. Esse modelo agrícola, rotulada pelos defensores dos interesses da empresas multinacionais que controlam a produção de agrotóxicos de moderna e avançada trouxe sérias conseqüências ao meio ambiente, contaminando o solo, a água e ar. Além disso, a produção agrícola contaminada pelo uso indiscriminado desses produtos acarreta conseqüências ao conjunto da população que vem consumindo alimentos causadores de doenças e morte.

Contudo, agrotóxicos cada vez mais poderosos estão sendo desenvolvidos pelas multinacionais que vem provocando a morte, não apenas das pragas, mas dos organismos existentes na natureza. O resultado dessa ação é o desequilíbrio ambiental que vem provocando um ciclo vicioso: quanto mais se usa agrotóxicos, maiores são os desequilíbrios provocados no meio ambiente e maior é a necessidade de uso em doses mais intensas e com formulações cada vez mais tóxicas. Daí o aumento de pessoas doentes decorrente de constante aumento das doses nos alimentos que consumimos todos os dias. Infelizmente o combate ao consumo de veneno que inserimos diariamente não está na preocupação do debate político dos nossos representantes.

Para os estudiosos, é necessário que se criem políticas públicas que viabilizem uma produção agrícola sem o uso de agrotóxicos. O problema do agrotóxico não é mais só do agricultor, mas também do consumidor. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. Atualmente, cerca de 451 produtos químicos estão registrados e mais de 1090 produtos químicos são comercializados em território nacional.

Diante do exposto, analisamos a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2012. A Secretaria de Estado da Agricultura de Sergipe com um orçamento R$ 202.524.172,00 está prevendo um investimento de apenas R$ 50.000,00 para prestação de assistência técnica e controle do uso de agrotóxicos nos perímetros irrigados. Já o Plano Plurianual (PPA) 2012-2015 não há nenhuma meta que lida diretamente com o controle e políticas de superação do uso de agrotóxico na agricultura e pecuária sergipana.

Portanto, não temos dúvidas da importância do Hospital do Câncer, mas é fundamental que o debate central seja a formulação de políticas públicas para reduzir o uso de veneno na agricultura, orientação aos agricultores dos riscos para o meio ambiente e a saúde humana, bem como a intensificação da fiscalização e financiamento de estudos para buscarmos formas alternativas de plantio de alimentos saudáveis tanto para consumo humano quanto para o meio ambiente.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Terceirização: questões a responder

Escrito por: Marcio Pochmann, presidente do Ipea

Na virada do século XX, a avalanche neoliberal atingiu praticamente todos os países, cada um a seu modo. No âmbito do trabalho, por exemplo, o neoliberalismo atacou o desemprego gerado pela ausência do dinamismo econômico por meio da desregulamentação do mercado de trabalho.

Naquela época, difundiu-se equivocadamente que a solução única para o desemprego seria a ocupação da mão de obra com salário menor e direito social e trabalhista a menos. Ou seja, uma alternativa inventada que procurava substituir o desemprego pela precarização do trabalho.

No Brasil, a onda neoliberal a partir do final da década de 1980 não se traduziu em reforma ampla e profunda do marco regulatório do mercado de trabalho, ainda que não faltassem propostas nesse sentido. Mesmo assim, o fenômeno da terceirização da mão de obra terminou tendo efeito inegável, com remuneração reduzida à metade dos que exercem a mesma função sem ser terceirizados e rotatividade no posto de trabalho superior a mais de duas vezes. Difundiu-se que a solução única para o desemprego seria salário menor e direito trabalhista a menos.

Em síntese, a terceirização do trabalho ganhou importância a partir dos anos 1990, coincidindo com o movimento de abertura comercial e de desregulação dos contratos de trabalho. Ao mesmo tempo, a estabilidade monetária alcançada a partir de 1994 vigorou associada à prevalência de ambiente competitivo desfavorável ao funcionamento do mercado interno. Ou seja, baixo dinamismo econômico, com contida geração de empregos em meio à taxa de câmbio valorizada e altas taxas de juros. Frente ao desemprego crescente e de ofertas de postos de trabalho precários, as possibilidades de atuação sindical exitosas foram diminutas.

Atualmente, o trabalho terceirizado perdeu importância relativa em relação ao total do emprego formal gerado no Brasil, embora seja crescente a expansão absoluta dos empregos formais. Por serem postos de trabalho de menor remuneração e maior descontinuidade contratual, os empregos terceirizados atendem fundamentalmente à mão de obra de salário de base. Dessa forma, as ocupações criadas em torno do processo de terceirização do trabalho tendem a se concentrar na base da pirâmide social brasileira. O uso da terceirização da mão de obra tem se expandido fundamentalmente pelo setor de serviços, embora esteja presente em todos os ramos do setor produtivo.

Na passagem para o século XXI, o país perseguiu duas dinâmicas distintas na terceirização do trabalho. A primeira observada durante a década de 1990, quando a combinação da recessão econômica com abertura comercial resultou no corte generalizado do emprego. Na sequência da estabilização monetária estabelecida pelo Plano Real, que trouxe impacto significativo na redefinição da estrutura de preços e competição no interior do setor produtivo, o Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho estabeleceu os setores cabíveis à terceirização da mão de obra, concedendo segurança jurídica às empresas.

Nesse contexto, a taxa de terceirização registrou patamar inédito, passando de cerca de 10% do saldo líquido dos empregos gerados no estado de São Paulo no início da década de 1990 para mais de 90% no começo da década de 2000. Com salário equivalente à metade do recebido pelo trabalhador normal, os terceirizados avançaram sobre os poucos empregos formais gerados, sem que ocorresse redução da taxa total de desemprego - a qual saiu de 8,7%, em 1989, para 19,3%, em 1999, na Região Metropolitana de São Paulo.

Não obstante o apelo à redução do custo do emprego da força de trabalho estimulado pela terceirização, inclusive com o aparecimento de empresas sem empregados, em meio às condições da estabilidade monetária com altas taxas de juros reais e valorização do real, o sindicalismo reagiu evitando o mal maior. Mesmo diante de competição interempresarial mais acirrada, houve elevação da taxa de sindicalização, com avanço das negociações coletivas de trabalho e inclusão na legislação social e trabalhista.

A segunda dinâmica na trajetória da contratação de empregos formais ganhou importância a partir da década de 2000. Entre os anos de 2000 e 2010, a taxa de terceirização passou de 97,6% para 13,6% do saldo líquido de empregos formais gerados no estado de São Paulo. Nesse mesmo período, a taxa de desemprego caiu 28,5%, passando de 19,3%, em 1999, para 13,8%, em 2009, na Região Metropolitana de São Paulo. Apesar disso, o salário recebido pelo terceirizado continuou equivalendo apenas à metade daquele do trabalhador não terceirizado.

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Os sindicatos tiveram conquistas importantes, com maior organização na construção dos acordos coletivos de trabalho. A Justiça do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Emprego e Trabalho assumiram papel fundamental. Mas sem regulação decente da terceirização, parcela das ocupações permanece submetida à precarização no Brasil. Como pode o mesmo trabalho exercido receber somente a metade, por conta de diferente regime de contratação? Caso mais grave parece ocorrer no interior do setor público, que licita a contratação da terceirização da mão de obra pagando até 10 vezes mais o custo de um servidor concursado para o exercício da mesma função.

O país precisa virar a página da regressão socioeconômica imposta pelo neoliberalismo no final do século XX. A redução no grau de desigualdade na contratação de trabalhadores terceirizados pode ocorrer. Com a regulação decente a ser urgentemente estabelecida poderia haver melhor cenário para evitar a manutenção das enormes distâncias nas condições de trabalho que separam os empregados terceirizados dos não terceirizados.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Ensino a distância rebaixa qualidade da educação no país Brasil


Por Lúcia Rodrigues

A maioria dos alunos que cursam essa modalidade de ensino é constituída por pessoas com baixo poder aquisitivo.

Um em cada cinco estudantes universitários brasileiros está matriculado em cursos de Educação a distância (EAD) no país. A nova modalidade educacional surgiu no final da década de 1990, mas foi nos anos 2000 que esse formato de curso ganhou projeção.

O número de vagas oferecidas por empresas educacionais aumentou exponencialmente nesse período. Em 2000 eram 5.287 alunos matriculados em graduações a distância, em 2009 o total de universitários inscritos saltou para 838.125. O último dado oficial sobre o número de alunos matriculados nesse tipo de formato é o do Censo da Educação Superior de 2009. Mas a rapidez com que os cursos de educação a distância se dinamizaram no país leva a crer que, hoje, a cifra já ultrapassou a casa de um milhão de estudantes matriculados em graduações oferecidas nessa modalidade.

Aparentemente democrática por ampliar o acesso à educação superior para um maior número de estudantes, a medida embute, na verdade, um forte componente ideológico. Cria no estudante a ilusão de que a qualificação garantirá o exercício pleno da profissão escolhida. Mascara a ausência de políticas efetivas dos governos federal e estaduais para suprir em quantidade satisfatória a falta de vagas presenciais em instituições públicas do país. Escamoteia o problema central e desencadeia outro seríssimo ao facilitar o rebaixamento na qualidade do ensino dos cursos oferecidos a distância.

Na verdade, o ensino a distância foi o formato encontrado pelos governantes para diplomar pobres em massa e responder as metas educacionais impostas por organismos internacionais como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio, a OMC. Por isso, a garantia da qualidade dos cursos de graduação a distância não é a preocupação central desses dirigentes.

Ao invés de investirem pesadamente na expansão de vagas em instituições públicas presenciais, enaltecem o “caráter democrático” desse modelo educacional que permite a um número expressivo de estudantes cursarem uma faculdade privada a distância. “Conseguiram grudar a ideia de que o ensino a distância equivale à democratização do acesso.

Além disso, rotulam quem questiona esse tipo de curso, como retrógrado”, ressalta César Augusto Minto, vice-presidente da Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo, a Adusp, e professor da Faculdade de Educação da USP, ao se referir à postura dos dirigentes governamentais e dos donos das empresas educacionais que disponibilizam graduações a distância. Segundo o docente, é difícil se contrapor a essa façanha ideológica que vendeu a
ideia de que a democratização do ensino passa pela educação a distância.

Esses cursos foram introduzidos no país pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Mas a administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve a iniciativa e a ampliou. Em 2002, eram 40.714 matrículas; em 2006, o número havia pulado para 207.206, dois anos depois, em 2008, o total de estudantes matriculados chegou a 727.961. Embora se saiba que a administração da presidente Dilma Rousseff deu continuidade a essa medida, os números oficiais a respeito ainda não foram publicizados.

Péssima qualidade

O Censo da Educação Superior de 2009 aponta que, naquele ano, o Ministério da Educação reconhecia 844 cursos de graduação a distância no país distribuídos em 5.904 polos de apoio presencial. Duzentas e vinte e duas instituições estavam credenciadas junto ao MEC para oferecer cursos de Educação a distância. A maioria esmagadora dessas instituições é privada e está concentrada nas regiões sul e sudeste.

Os críticos do modelo consideram esse formato uma mina de ouro para os donos das faculdades, que conseguem aumentar ainda mais seus lucros. “Esses cursos têm forte teor mercadológico. Por isso, não se preocupam com a qualidade do ensino. As empresas tinham esgotado a capacidade de ampliar seus lucros e resolveram apostar nesse filão”, explica o dirigente da Adusp.

Esse tipo de curso permite o barateamento das mensalidades, porque consegue ampliar exponencialmente o número de alunos matriculados por turma, além de reduzir o total de professores. Os donos das faculdades também economizam com gastos de energia elétrica, água e funcionários, porque não há um campus para os estudantes frequentarem. O curso é praticamente todo online. E o aprendizado é mediado basicamente pelo computador. Não há um espaço físico onde o estudante possa ir estudar, diariamente.

A parte presencial do curso exigida pelo Ministério da Educação também ocorre de forma precária. Em algumas oportunidades definidas, o aluno se dirige a um local, chamado de polo, que a instituição disponibiliza para esses momentos presenciais. “Essa é uma forma capciosa, encontrada para dizer que o aluno tem aulas presenciais”, frisa o professor César.

Na atividade, o estudante continuará a não ter o contato direto com um professor. O docente leciona simultaneamente para milhares de estudantes espalhados em vários pólos da instituição distribuídos pelo país, por meio de uma televisão ou de um telão instalados em uma sala. A Unip (Universidade Paulista), uma das maiores empresas privadas da área, tem mais de 100 polos no país, só na capital paulista são 20 locais. O aluno não interage com o professor, só ouve as informações que são disseminadas na tela. Quem o acompanha presencialmente é um tutor que, na maioria dos casos, é aluno de pós-graduação, sem formação específica na área disciplinar que está sendo abordada na tela. As tutorias polivalentes respondem por várias matérias.

Os estudantes dos cursos a distância não têm como verbalizar suas dúvidas ao professor, nem mesmo intervir durante a explanação do docente. É o tutor quem faz a intermediação por meio da triagem de perguntas encaminhadas por escrito para o e-mail do professor que se encontra do outro lado da tela. Há casos em que apenas uma pergunta por polo é encaminhada ao docente. Não há tempo hábil para atender à demanda de questionamentos na hora.

“O processo pedagógico é todo truncado. Uma pessoa fala em uma videoconferência, outra acompanha os alunos e outra fica responsável pelos trabalhos. Não há nenhuma articulação entre os vários segmentos. É uma situação de precariedade total, que só se justifica pela falta de preocupação com a qualidade do ensino”, enfatiza o dirigente da Adusp.

O rebaixamento na qualidade desse tipo de ensino é o que faz com que a diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Lisete Arelaro, não reconheça o termo educação a distância para esse formato de aprendizagem. “Usamos no máximo ensino a distância”, faz questão de ressaltar a educadora. O material de apoio destinado a esses cursos também é alvo da crítica da docente. Totalmente apostilado, o ensino impede a reflexão por parte do estudante. “As apostilas são, na maioria das vezes, colagens de outros livros com frases no meio. O material não é avaliado por ninguém. Noventa por cento dessas apostilas são pré-programadas. Inventou-se uma maneira de oferecer um curso independente do aluno. Isso é uma loucura”, frisa Lisete.

Crítica contundente desse modelo educacional, ela ironiza que os defensores do ensino a distância estão preocupados em solucionar o problema do trânsito nas grandes cidades, devido ao fato de o curso ser realizado quase que na sua totalidade em frente a um computador. “O aluno acompanha a programação via internet, sabe a que horas terá um tutor do outro lado da linha. Com uma senha, acessa as informações”, conta ao explicar como funciona o ritmo do curso.

Um dos argumentos utilizados pelos governantes para disseminar os cursos de educação a distância é o de que faltam professores de ensino médio e fundamental no país. A justificativa dá a prerrogativa para se difundir em larga escala o ensino a distância, como mecanismo eficaz para formação rápida de docentes que vão preencher as lacunas que existem na rede pública de ensino. Pelo raciocínio, o déficit de professores só poderá ser suprido por meio de uma formação em massa a distância. Lisete rechaça a argumentação de que exista déficit de docentes no país. “No Brasil não faltam professores. O que pode faltar, são bons professores”, enfatiza. Problema que, que segundo ela, não será resolvido com esse tipo de formação. Para a educadora, o número reduzido de estudantes que buscam o magistério, quando se formam, está centrado nos baixos salários pagos aos professores.

O elemento causal que reduz o número de profissionais a buscar a carreira docente é, portanto, o salário baixíssimo que é oferecido. “Os docentes ganham no mínimo 50% a menos do que qualquer profissional com a mesma formação. É ridículo. Evidentemente, esses profissionais desistem do magistério”, explica.

Ela afirma que se o governo estivesse interessado em resolver o problema valorizaria os profissionais da área educacional. “Elegeria a educação como a prioridade das prioridades. Infelizmente, não vejo nenhuma campanha para incentivar os jovens a se tornarem professores.”

No ranking dos cursos que oferecem ensino de graduação a distância, o de Pedagogia lidera com o maior número de matrículas, seguido pelo de Administração. Na terceira colocação aparece o de Serviço Social. Na sequência, vêm Letras, Ciências Contábeis, Matemática, Ciências Biológicas, História, Comunicação Social e Ciências Ambientais, respectivamente. Canoa furada.

A esmagadora maioria das vagas ofertadas na formação a distância está concentrada em instituições privadas, mas as universidades públicas também têm introduzido a modalidade em suas unidades. Fato que coloca em xeque o tripé: ensino, pesquisa e extensão, elemento basilar para uma formação de excelência.

Em São Paulo, a proposta do governo do PSDB, que criou a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), coloca em risco o nome das três universidades estaduais, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e (Unesp) Universidade Paulista Júlio Mesquita Filho, ao introduzir o ensino a distância nessas instituições. As três universidades sempre se destacaram pela qualidade dos cursos oferecidos. Mas o anteprojeto que deu origem à Univesp trata a qualidade do ensino público e presencial das três universidades paulistas como um privilégio. Os cursos virtuais são tratados como o mecanismo que irá acabar com esse privilégio.

O documento enfatiza que “apenas com o uso de métodos e técnicas da chamada Educação a distância é que se pode conseguir atingir um contingente de alunos dispersos em todo o Estado”. Ainda de acordo com o texto, “o uso da televisão educacional é o mais adequado” para reverter essa situação. Inconsistente, não ataca o cerne da questão que é a ínfima expansão de vagas nas três universidades públicas paulistas pelo governo estadual.

Nas metas até 2012, o governo tucano esclarece que pretende investir no ensino a distância. O Diário Oficial de 20/2/2008 deixa claro quais são as reais intenções do Executivo. “As prioridades do governo paulista nos próximos quatro anos, no que diz respeito ao ensino superior, consistirão em ampliar a oferta de vagas e cursos superiores em áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social do Estado e do país, utilizando, inclusive, tecnologias e metodologias de ensino a distância.”

Lisete revela que 60% das propostas apresentadas, no ano passado, pelo governo paulista eram direcionadas para a formação de professores a distância. “Isso significa que, no curto prazo, vamos ter um número maior de professores formados a distância do que de forma presencial”, adverte a educadora.

Na USP, a mais importante universidade da América do Sul, o curso a distância em Ciências funciona desde outubro do ano passado. São 360 vagas distribuídas em quatro cidades: São Paulo, São Carlos, Ribeirão Preto e Piracicaba. Cada polo tem 90 vagas. Dados recentes apontam que 40% dos estudantes que freqüentavam o curso já desistiram. O que demonstra que há inúmeras falhas nesse tipo de proposta. Mesmo assim, a iniciativa de disseminar o ensino a distância tem ganhado adeptos no país. A Universidade do Estado Rio de Janeiro (UERJ) disponibiliza um curso de Biologia. “Dizem que é o melhor curso de Biologia do país”, afirma Lisete ao se referir aos comentários dos professores que defendem o ensino a distância na instituição de ensino carioca.

Ela lamenta que a Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) também ofereça ensino a distância. “Para minha surpresa, metade dos docentes defendem que essa modalidade seja mantida”, conta indignada. A diretora da USP revela, ainda, que parcela dos professores da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é favorável aos cursos a distância como uma alternativa à educação presencial. “A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) também lançou, no início do primeiro semestre deste ano, um programa piloto de educação a distância para disciplinas do curso de Direito que são oferecidas para alunos de outras unidades da Universidade”, revela a professora Marina Barbosa Pinto, presidente do Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior (Andes).

A sindicalista afirma que o ensino a distância tem sido questionado em países que priorizam a educação. Lisete reforça o argumento de Marina. “O Brasil tem a mania de dizer que isso está acontecendo no mundo inteiro. Não. Não está. Há países com postura bastante semelhante a nossa, que enfatizam que a formação inicial não pode ser feita a distância.”

Para ela, o MEC tem uma visão simplista sobre um problema complexo. “Hoje, há uma tese que diz que o ensino presencial está tão ruim que pode ser substituído por cursos a distância.”, critica a diretora da Faculdade de Educação da USP. Lisete destaca que metade dos membros do Ministério da Educação defende esse tipo de ensino. “Estamos vivendo um momento delicado. A Universidade Aberta do Brasil (UAB) acabou misturando alhos com bugalhos.”

A diretora refuta a argumentação que afirma que a UAB (criada no governo Lula) se inspirou na Open University, da Inglaterra, uma das mais tradicionais instituições de ensino a distância. “A Open University é uma universidade que nunca pretendeu dar diplomas, visa ampliar o conhecimento e a cultura do povo inglês. Não tem pretensão de formar pessoas, nem de titulá-las para exercício de uma profissão”, esclarece. Falta fiscalização Apesar de o credenciamento das instituições que ministram cursos a distância ter começado em 2000, até janeiro de 2008 não existia qualquer tipo de supervisão dos cursos dessa modalidade.

Hoje, é a Secretaria de Regulação e Supervisão que realiza esse acompanhamento. Mas a Diretoria de Educação a distância conta apenas com 650 avaliadores para analisar centenas de instituições pulverizadas em quase 6 mil polos espalhados pelo país. “O MEC não tem pernas para fiscalizar”, ressalta Lisete. Mas não é somente a falta de estrutura que torna a fiscalização realizada pelo Ministério da Educação falha. Nota encaminhada pela assessoria de imprensa do órgão informa que universidades e centros universitários não precisam da autorização prévia do MEC para colocar em funcionamento cursos de graduação a distância, apenas as faculdades estão submetidas a uma aprovação prévia.

Pela regra do Ministério, as duas modalidades de instituições de ensino podem requerer o reconhecimento do curso apenas quando o estudante já tiver assistido entre 50% e 75% da carga horária letiva. A medida praticamente inviabiliza que o curso, por mais desqualificado que seja, não receba a chancela do MEC. O não reconhecimento do curso penalizaria o estudante que já cursou mais da metade dos créditos. A medida beneficia duplamente os donos dessas instituições, que dispõem da prerrogativa de lançarem a graduação que quiser, com a qualidade de ensino que definirem e depois esperar pelo reconhecimento do curso pelo MEC.

As orientações dadas pelo Ministério ao estudante que quer cursar uma graduação à distancia também são pífias. Entre os pontos elencados pelo órgão, destaca-se, por exemplo, a recomendação de uma visita ao pólo de apoio presencial. O MEC também sugere ao candidato que consulte alunos e ex-alunos do curso pleiteado. E recomenda que o futuro aluno solicite informações da instituição sobre seu credenciamento junto à pasta. Em março deste ano, o Fórum dos Conselhos Federais da Área da Saúde, que reúne os conselhos de Medicina, Psicologia, Farmácia, Enfermagem, Serviço Social, Biologia, Biomedicina, Educação Física, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, além do Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia, decidiu se posicionar contra a implementação de cursos de graduação a distância na área da saúde.

A decisão foi tomada após a realização de um seminário que discutiu o tema com representantes do Ministério da Educação. “Esse posicionamento foi formulado para assegurar uma educação superior de qualidade na área de saúde, caracterizada por um processo formativo voltado para os princípios do SUS e para a indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão”, afirma o documento. O Conselho Federal de Serviço Social também lançou, em maio deste ano, uma campanha contra o ensino a distância na área. Intitulada Educação não é fast-food: diga não para a graduação a distância em Serviço Social, o movimento conquistou o apoio de várias entidades, entre elas o Andes.

Segundo a presidente do Conselho, Sâmya Rodrigues Ramos, o objetivo da campanha é denunciar os problemas e irregularidades desse tipo de ensino e promover o debate sobre esse tema na sociedade. “Defendemos uma educação presencial, pública, laica e de qualidade, crítica à presença das forças de mercado, cuja expressão maior é o incentivo a educação a distância”, frisa. A campanha com cartazes, adesivos e marcadores de livros foi suspensa por uma liminar concedida pelo juiz federal substituto Haroldo Nader, da 8ª Vara da Subseção Judiciária de Campinas, no interior de São Paulo, a pedido da Associação Nacional de Tutores de Ensino a distância. Até o fechamento desta edição, o jurídico do Conselho não havia conseguido cassar a liminar expedida.

Professor também sofre

Fernando Campos, professor de sociologia, afirma que não tem noção para quantos alunos já deu aula, mas acredita que tenha sido para aproximadamente 5 mil estudantes. Ele destaca como grave problema desse tipo de modalidade de ensino a ausência de interatividade na relação professor-aluno. “Não há diálogo durante a aula.” Ele frisa que o trabalho do professor nesse tipo de curso aumenta de forma impressionante e que, além disso, há um rebaixamento salarial. “Somos obrigados a ficar horas e horas na frente do computador realizando várias tarefas, como responder a milhares de perguntas no chamado ‘bate-papo’ ou chamado ‘fórum’”, explica.

Para o docente, o ensino a distância cresce no país, porque é um bom negócio para os donos das faculdades. De acordo com ele, os cursos a distância chegam a ser 50% mais barato do que um de ensino presencial. Como o número de alunos é exponencialmente superior a um curso presencial, os empresários ganham muito mais. “A aula ao vivo dura 50 minutos e é transmitida via satélite. Os estudantes assistem em um dos polos da universidade espalhados pelo Brasil. Mas, geralmente, as universidades virtuais não têm aulas ao vivo. Compram um pacote de aulas gravadas, além das apostilas. Não há um aprofundamento de ideias, não há troca de experiências. Não há participação dos alunos durante as aulas. A aula é fria, sem contato humano, mais parece um programa de televisão do que uma aula. Eles enviam as questões via internet e a gente responde”, denuncia o professor.

“Isso contribuiu para a precarização do trabalho docente. Os professores são obrigados a trabalhar sete dias por semana, não têm mais sábado, nem domingo. Gera um acúmulo de tarefas, que têm de ser resolvidas no mesmo espaço de tempo e pelo mesmo salário”, critica a presidente do Andes.

“Somos a favor dos avanços tecnológicos. A educação a distância tem um papel a cumprir na interiorização e democratização do acesso à universidade, mas precisa ter qualidade”, afirma o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Iliescu. Ele explica que a entidade defende o ensino público, gratuito e laico. “Mas temos de dialogar com a realidade”, afirma ao se referir ao fato de o número de estudantes matriculados em ensino a distância ter crescido muito nos últimos anos.

A reportagem da Caros Amigos entrou em contato com a assessoria do Ministério da Educação, para que o ministro Fernando Haddad comentasse as críticas feitas à educação a distância, mas Haddad não se manifestou sobre o assunto.

Lúcia Rodrigues é jornalista.
luciarodrigues@carosamigos.com.br