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domingo, 25 de dezembro de 2011

“Em Sergipe, tivemos repressões, prisões e torturas”


Por Eugênio Nascimento em Política - 25/12/2011
PROJETO MEMÓRIASS REVELADAS DA DITADURA MILITAR

Entrevista/Milton Barboza da Silva - Professor Universitário e Coordenador do Projeto Memórias Reveladas

O historiador e professor universitário Milton Barboza promoveu em Sergipe o levantamento dos dados para o projeto Memórias Reveladas, que trata das prisões no período em que durou o regime militar no Brasil. Ele encontrou mais de 700 dossiês nos porões da Secretaria de Estado da Segurança Pública e a partir daí ampliou os estudos. As informações que dispõe são importantes para o encaminhamento das investigações da Comissão da Verdade, que atuará no âmbito federal, podendo os estudos criarem as suas. Sergipe ainda não se definiu sobre a questão.

A seguir os principais trechos da entrevista

Eugênio Nascimento– publicada no JCidade deste domingo, dia 25/12/2011

JORNAL DA CIDADE - Como foi feito esse seu trabalho das Memórias Reveladas?

MILTON BARBOZA - O Projeto Memórias Reveladas não foi uma ideia que nasceu aqui em Sergipe, mas foi gestado a partir do momento que o grupo progressista, liderado pelo PT assume a Presidência da República ( 2003 – 2010), correspondentes ao período em que Lula esteve no governo. Desde então, havia um sentimento nacional de que os “segredos” guardados pelos militares, em forma de documentos, deveriam vir ao conhecimento do cidadão brasileiro. Após a publicação do Brasil Nunca Mais de D. Paulo Evaristo Arns, sabíamos que muita coisa precisava vir à tona. Dessa forma, nós, os cientistas sociais, tínhamos o compromisso de iniciarmos uma luta política e jurídica no sentido de tornar os documentos produzidos pela ditadura militar em documentos públicos e de acesso livre aos cidadãos brasileiros. Em Sergipe, durante toda a década de 90 do séc. passado, iniciamos uma verdadeira caça aos documentos, pois não sabíamos onde estavam ou quem os guardava. Foi então que em 1996, por acaso, descobrimos que os documentos produzidos pelo Serviço Estadual de Informações (o DOPS sergipano), encontravam-se jogados, literalmente, nos porões da SSP (Secretaria de Segurança Pública). Após ofício encaminhado ao Secretário da época Flamarion D´Avila e liberação do Governador do Estado, podemos ter acesso aos mesmos e transferi-los para a guarda do Arquivo Público do Estado de Sergipe, por ser a instituição que, legalmente, poderia manter a custódia dos dossiês. Foram doze anos de espera, longa e angustiante, uma vez que não poderíamos fazer uso dos documentos, nem publicar, pois a legislação não nos permitia fazer. Uma luz ao fim do túnel se ascende em 2009.

JC - Vai ser preciso criar a Comissão da Verdade no Estado? Quem pode fazer isso?

MB - A luz aludida anteriormente, surge quando em 2009, a então ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, criou o Centro de Referência das Lutas Políticas e Sociais no Brasil – Memórias Reveladas, atrelando esse Centro ao Gabinete da Casa Civil e funcionando nas dependências do Arquivo Nacional. A partir desse evento, foi-nos possível o resgate desse passado, através da documentação e do tratamento indispensável à memória de homens e mulheres que morreram, foram torturados e resistiram heroicamente porque acreditavam em uma sociedade sem repressão e com democracia. A partir desse ano (2009) o Arquivo Público Estadual de Sergipe, elaborou um projeto para resgatar essa documentação, sob a nossa coordenação. Após análise do Centro na esfera Nacional, fomos contemplados com um mecenato e montamos toda uma infra-estrutura de pessoal e tecnologia da informação para tratarmos os dossiês sergipanos. Como resultado, Sergipe foi o primeiro Estado do consórcio de parceiros a concluir seus trabalhos e a colocar os documentos na rede mundial de computadores, disponibilizado no Portal das Memórias toda a informação de que os pesquisadores necessitam. A criação da Comissão da Verdade, instituída pela Lei 12.528, no dia 18 de novembro de 2011, também conhecida como Lei do Acesso, era esperada com muita expectativa por todos nós, uma vez que, apesar de termos dado todo um tratamento a documentação, o acesso direto aos dossiês só era permitido ao proprietário do dossiê ou para alguém autorizado por procuração para fazê-lo. Hoje, guardando algumas formalidades jurídicas, todos os pesquisadores poderão ter acesso aos documentos da ditadura. Os Estados não são obrigados a criarem sua Comissão da Verdade, mas poderão fazê-lo, caso julgue necessário. São Paulo acabou de criar a sua, através da Assembleia Legislativa. Em Sergipe, ainda precisamos efetivar algumas formalidades que dependem mais do Governo do Estado do que da comunidade. Para o ano de 2012, traremos algumas publicações abordando a temática e publicaremos alguns relatórios de trabalhos referentes ao Projeto Memórias Reveladas.

JC - Quantos foram os presos políticos de Sergipe no regime militar e quais os motivos das prisões?

MB - Precisar quantos foram os presos durante a ditadura militar em Sergipe seria uma tarefa impossível, pois ainda não temos todos os dados coletados, nem tivemos acesso a todas as informações que nos permitiriam quantificar todas as prisões realizadas pelos órgãos da repressão em nosso Estado. É preciso destacar que não foi constituído um aparato repressor por aqui, ao estilo dos montados em São Paulo, Rio de Janeiro e em outros Estados. Em Sergipe foi criado um Serviço Estadual de Informações que respondia diretamente ao gabinete do Secretário de Segurança e funcionava como uma supradelegacia, pois tinha acesso a todas as demais delegacias e poderia agir livremente na coleta e análise das informações. Era um órgão de atuação velada e atuava secretamente em todo o território sergipano. As informações levantadas pela SEI eram repassadas para o CIEX (Centro de Inteligência do Exército), no 28º BC e para o CENIMAR (correspondente da Marinha e que atuava nas dependência da Capitania dos Portos), bem como para DFSP, que seria o antecessor da Polícia Federal e ao SNI (Serviço Nacional de Informações). Como se pode perceber o nosso SEI era bastante articulado.

JC - Todos eles ficaram detidos no quartel do 28B?

MB - Os detidos pela polícia estadual eram encaminhados para as dependências do 28º BC, isso quando não eram presos diretamente pelo efetivo do próprio exército. Nas dependências do quartel do exército eram feitos os interrogatórios e as sessões de tortura.

JC - Esses presos foram julgados?

MB - Em geral, esses presos políticos não eram julgados, apenas indiciados, interrogados e/ou não torturados, a maioria era soltos após algumas sabatinas do interesse do oficial de plantão. Em casos mais graves, onde se tratava de um personagem chave, ou uma figura de projeção, esse preso era transferido para Salvador e de lá para um presídio militar, como foi o caso de Seixas Dória. A condenação era um fato raro e isolado, quase nunca dava tempo para tais formalidades jurídicas.

JC – Quantos dossiês de presos o senhor encontrou?

MB - Documentadamente, resgatamos 793 dossiês de presos políticos do regime militar em Sergipe. Esses dossiês são constituídos de fichas de identificação, interrogatórios, provas do “crime”, vários documentos que serviam como suporte para a prisão, fotografias e depoimentos de terceiros.

JC - O regime militar contou com muitos civis dedos-duros em SE? Quantos aproximadamente? Essas pessoas ganhavam dinheiro ou deduravam por prazer?

MB - Temos relatos de pessoas que eram informantes dos órgãos de repressão, no entanto, vamos nos reservar o direito de não apontá-los, pois se tratam de pessoas que estão vivas ou seus descendentes diretos e, obviamente, poderíamos sofrer um processo. A moeda de troca quase sempre é a proximidade com o poder instituído, garantindo que não seriam incomodadas e, quando presas, seriam tratadas com privilégios.

JC - Quantas pessoas de outros estados foram presas em SE? Quais motivos?

MB - Dos dossiês catalogados (pergunta 6) um total de 19 % foram identificados como sendo de pessoas de outros estados e que estavam aqui em Sergipe por vários motivos: trabalho, estudo, religioso, entre outros. Destacamos que a simples visita para uma palestra ou seminários seria motivo suficiente para uma pesquisa e acompanhamento da pessoa, resultando em um dossiê. É o exemplo de Dom Hélder Câmara.

JC - A dita em SE foi dura ou branda, como fazem referências hoje setores da imprensa?

MB - Uma ditadura nunca é branda! Não existe como avaliar que em um Estado os militares foram mais suaves do que em outros, pelo simples fato de que as liberdades individuais e democráticas estavam suspensas, como atestam os Ais – principalmente o AI5. No caso sergipano, tivemos repressão, prisões, torturas, cassações e agressão aos princípios da liberdade e da democracia, isso junto já é mais do suficiente para uma ditadura não ser suave.

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