Pesquisar este blog

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Classes e luta de classes: perspectivas


Por Wladimir Pomar

As jornadas populares de junho de 2013, assim como a sequência de greves de trabalhadores assalariados, as mobilizações de trabalhadores sem-terra e sem-teto, e as manifestações dispersas de outros setores sociais, expressam a emergência da luta das novas gerações das classes populares. Após mais de 25 anos de descenso, a luta de classes retomou sua ascensão.

Essa retomada se deve a um conjunto variável de fatores. O crescimento econômico produzido a partir de 2003, mesmo incapaz de reverter a inércia desindustrializante do período neoliberal, promoveu a criação de mais de 20 milhões de empregos. Em outras palavras, causou uma profunda mobilidade da classe dos excluídos para a classe dos trabalhadores assalariados, colocando milhões de brasileiros em concorrência no mercado de trabalho.

Os programas de transferência de renda, articulados a programas de educação básica e profissional, e de saúde pública, colocaram outros milhões de excluídos na situação de semi-incluídos no caos do mercado. Assim, ao contrário da suposição de que essas políticas governamentais seriam amortecedoras da luta de classes, na verdade elas atenderam a uma parte das demandas básicas das classes pobres e miseráveis e introduziram as condições para demandas e reivindicações mais elevadas.

As novas gerações das classes populares, ao verem atendidas, mesmo em parte, suas demandas básicas de sobrevivência, confrontaram-se não só com as diferentes formas exploração capitalista. Confrontaram-se, também com transportes urbanos caros, insuficientes e ineficientes, com uma educação e uma saúde publica deficiente, com a ausência de moradia e de saneamento básico, e com pouca oferta de alimentos e bens de consumo a preços acessíveis.

Confrontaram-se, ainda, com um aumento aparentemente inexplicável da violência. Esta, tanto por parte das parcelas excluídas não beneficiadas pelas políticas de emprego e de transferência de renda, quanto por parte da repressão policial às lutas por novas conquistas econômicas e sociais. Assim, a nova luta de classes emergiu sem que as classes populares tivessem consciência de que insuficiências, ineficiências, deficiências, ausências, preços elevados e violências estão relacionados com a privatização dos serviços públicos e com a herança de décadas de estagnação e devastação neoliberal. Mas demonstrou a compreensão da necessidade de uma presença mais efetiva do Estado para solucionar tais problemas.

Ou seja, as demandas relacionadas com o transporte urbano e suburbano, com a educação e a saúde pública, com a moradia e o saneamento básico, com o aumento da oferta de alimentos e bens de consumo não duráveis a preços mais baixos, e com a segurança pública, configuraram uma situação em que a ação do governo e do Estado não podem ficar amarrados aos projetos e ritmos da primeira década do século 21.Os membros do governo não podem mais continuar vacilando diante da necessidade das reformas. Não é mais possível aceitar, por exemplo, que um ministro se coloque contra a reforma das comunicações, por medo da rede Globo.

É necessário explicitar sem rodeios a posição diante das reformas reclamadas pelas ruas, mesmo que a maioria do congresso e da mídia expresse sua oposição a elas. A disputa terá que estar voltada não mais para o interior do congresso e do governo, mas para as grandes massas que compõem os excluídos, a classe trabalhadora assalariada e parcelas significativas da pequena-burguesia proprietária.

Não é por acaso, frente às eleições de 2014, que os setores reacionários já proclamem a necessidade de um golpe “moralizador”, ao invés da via eleitoral. E que os candidatos que expressam os interesses da grande burguesia se vejam na contingência de defender mudanças “para melhor”. Escondem o tipo real de mudanças que pretendem adotar, mas sabem que mudar “para melhor” faz parte do sentimento das grandes massas da população. Estas acordaram para a luta econômica e social e, apesar das aparências em contrário, também para a luta política. E colocam as mudanças no centro da disputa pela hegemonia política e social.

Para conquistar as mudanças ou reformas estruturais demandadas pelas camadas populares da população brasileira é necessário que a esquerda constitua, juntamente com essas camadas e com parte das camadas médias, uma grande força social e política capaz de deter e derrotar a ofensiva da direita. As diferentes correntes da esquerda precisam encontrar os pontos comuns capazes de unificá-las na luta contra seus principais inimigos de classe. Isto é, a grande burguesia corporativa que monopoliza e domina a sociedade brasileira. Infelizmente, ainda não vivemos uma situação revolucionária, mas estamos diante de um momento crucial da luta contra a hegemonia e o domínio político da grande burguesia.

Portanto, as alianças internas na esquerda devem ter como parâmetro as reformas estruturais. São reformas que visam aumentar o papel e os investimentos do Estado na indústria e nos serviços públicos, aprofundar a participação democrática das classes populares nas decisões do Estado e dos governos, e democratizar a economia, desmantelando os monopólios e oligopólios. Ou seja, reformas que, mesmo não superando o capitalismo, contribuam para o desenvolvimento das forças produtivas e para o aumento quantitativo e qualitativo da classe trabalhadora assalariada e de sua fração industrial na sociedade brasileira.

Dizendo de outro modo, as reformas estruturais devem combinar a melhoria das condições de vida da maioria do povo com a constituição de uma poderosa força social trabalhadora (industrial, agrícola, comercial e de serviços). Força social capaz de se contrapor à burguesia como um todo, tanto na vida econômica e social, quanto no Estado. Se as correntes de esquerda não se aliarem em torno dessa questão estratégica, será mais difícil unificar-se em torno dos problemas e alianças táticas.

No momento, tais problemas estão centrados nas eleições presidenciais de 2014. A questão chave aqui consiste em derrotar os representantes políticos, escrachados ou ocultos, da grande burguesia corporativa. Esta tem como objetivo central retomar o caminho neoliberal de superávit primário elevado, juros altos, privatização dos ativos estatais, arrocho salarial, estagnação econômica e desemprego como instrumentos de combate à inflação. Os rachas nas supostas forças de sustentação do governo Dilma e a migração delas tanto para a candidatura Aécio quanto para a candidatura Campos, expressam o fim das ilusões da burguesia corporativa de que o PT e Dilma seguiriam o caminho da socialdemocracia europeia, transformando-se em paladinos neoliberais.

As respostas do governo Dilma às manifestações populares, embora ainda tímidas, reiteraram o compromisso com a luta pelas reformas política, tributária, da comunicação, agrária, urbana, das jornadas de 40 horas, e do fortalecimento dos conselhos populares. O que causou, na prática, uma rebelião tanto da direita oposicionista, quanto daquela incrustada no governo. Nessas condições, o PT está sendo levado a não mais submeter-se aos interesses do PMDB, nem às oligarquias regionais, e a tomar como critério básico de suas alianças o programa de reformas estruturais.

Na prática, o PT e Dilma estão sendo levados a defender um programa de reformas que implicará em um arco de alianças diferente daquele armado em 2010. Ou seja, um arco que contemple fundamentalmente os partidos de esquerda e de centro-esquerda e, principalmente, as organizações e os movimentos sociais. É lógico que há setores da burguesia em contradição com a burguesia corporativa, interessados nas reformas que facilitem a industrialização do país. Tais setores, embora percam a parcela de governo que haviam conquistado em 2010, podem participar desse novo arco de alianças. O que é bom porque divide a burguesia como classe.

Assim, embora as eleições de 2014 possam parecer menos polarizadas do que as de 2010, na verdade estarão em jogo forças e projetos muito mais antagônicos do que os de quatro anos atrás. Enquanto em 2010 a oposição a Dilma e ao PT aparecia apenas como uma força extremamente reacionária, agora ela aparece como uma força mudancista para “melhor”, embora esse “melhor” seja o retorno ao neoliberalismo devastador dos anos 1990. Nesse contexto, o dilema da esquerda e do povo brasileiro deixou de ser a disputa entre o melhorismo e o reacionarismo.

Passou a ser a disputa entre mudancismo regressivo e reformas estruturais que contribuam para mudar a correlação de forças entre a burguesia e a classe dos trabalhadores assalariados a favor desta. O que dependerá, em grande medida, das retificações estruturais que o próprio PT fizer em seu interior. Isto é, retificações que permitam à sua militância recuperar a disposição de luta, a participação nas decisões partidárias e o repúdio aos métodos de trabalho clássicos e corruptos dos partidos burgueses. Ou seja, que saiba combinar as formas de lutas antigas, como as realizadas pelos garis do Rio de Janeiro e pelos motoristas e cobradores de transportes coletivos de diversas cidades do país, com as formas de luta de grande parte das gerações jovens contemporâneas.

Essas são as perspectivas da luta de classes no Brasil. Espero que a série de textos a respeito tenha contribuído, de alguma forma, para suscitar o debate sobre as classes sociais e a luta entre elas, questão chave para definir qualquer projeto estratégico que tenha o socialismo como perspectiva futura.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

PNE e a Educação infantil: Meta 01

A aprovação da lei nº 13.005, de 25 Junho de 2014 que institui o PNE-Plano Nacional de Educação que, no seu anexo, estabelece 20 metas com centenas de estratégias. A meta 01, objeto de nossa discussão, tem como objetivo universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.

A meta 01 do PNE define, portanto, que o Estado brasileiro deve se responsabilizar e pagar sua dívida social com milhões de famílias que precisam de escolas de educação infantil e creches para deixar seus filhos. Para atender a essa demanda, o Plano ainda define que o poder público deve estimular o acesso à educação infantil em tempo integral, para todas as crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos.

Entretanto, o pagamento dessa dívida passa pela necessidade de funcionamento do regime de colaboração entre União, Estado e, principalmente, municípios, pois serão os governos municipais quem efetivarão tal política.

Nessa perspectiva, o PNE define que os entes deverão, periodicamente, realizar levantamento da demanda por creche para a população de até 3 (três) anos, através de consulta pública. Tal ação visa planejar a oferta e verificar o atendimento da demanda identificada. Entretanto, o PNE determina que os entes realizarão e publicarão, a cada ano, levantamento da demanda manifesta por educação infantil em creches e pré-escolas, como forma de planejar e verificar o atendimento da necessidade real de matrícula na educação infantil. Tal definição, coloca muitos municípios na parede, pois grande parte de prefeitos se negam a criarem creches devido o elevado custo para manutenção dessas unidades de ensino.

Chama nossa atenção o retrocesso na legislação em relação às entidades chamadas de filantrópicas que poderão ser contratadas pelo poder público para atender as matrículas de creches. Entendemos um retrocesso, pois a lei nº 11.494 de 2007, art.8º § 3º, que criou o FUNDEB define que tais entidades devem atender a matrícula pública, somente até 2016. A partir deste ano não mais atenderão as matrículas públicas, pois essas matrículas serão, exclusivamente, ofertadas em estabelecimentos públicos.

Para atendimento a educação infantil, o PNE determina que a nucleação de escolas deve ser limitado, de modo a evitar o deslocamento de crianças. Define, também, a necessidade de articulação entre as áreas de educação, saúde e assistência social, com foco no desenvolvimento integral das crianças de até 3 (três) anos de idade.

O mais grave em relação à educação infantil é a criação de uma avaliação nacional a cada 02 anos. Essa medida, no nosso entendimento absurda, visa preparar uma criança de 05 anos para responder uma prova. O resultado dessa prova servirá para que os tecnocratas do Ministério da Educação estabeleçam índices, de modo a ranquearem as unidades de ensino de creches e pré-escolas. O PNE estabelece que a educação infantil deve atender a parâmetros nacionais de qualidade. Nossa preocupação é que esses “padrões de qualidade” que serão elaborados pelos mesmos tecnocratas do MEC serão cobrados na prova para crianças que estão em processo de alfabetização.