Pesquisar este blog

domingo, 28 de maio de 2017

Neonazismo no Brasil, crescimento do racismo e da intolerância

Em Janeiro de 2017 matéria publicada pelo Jornal britânico Financial Times fala sobre avanço de neonazismo no Brasil. Para o jornal o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC/RJ) é um político com fama internacional como de extrema direita brasileira. O artigo destaca o avanço do neonazismo no Brasil. A publicação lembra a defesa que o deputado fez do torturador Ustra, durante a votação da admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Ao justificar o voto pela derrubada da petista, Bolsonaro disse que o fazia "pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra se referindo ao fato de a ex-presidente ter sido uma das torturadas na ditatura militar.

Segundo o site wikipedia.org, Ustra “foi um coronel do Exército Brasileiro, ex-chefe do DOI-CODI do II Exército (de 1970 a 1974), um dos órgãos atuantes na repressão política, durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Também era conhecido pelo codinome Dr. Tibiriçá. Em 2008, Ustra tornou-se o primeiro militar a ser reconhecido, pela Justiça, como torturador durante a ditadura”.

Segundo o jornal Financial Times, Bolsonaro negou ser neonazista, mas os críticos o acusam de compartilhar “muitos pontos de vista do movimento, como o racismo e a intolerância”. A reportagem do Financial Times fala sobre o avanço de uma onda neonazista no Brasil e do avanço da extrema-direita e dos políticos ultraconservadores.

Veja matéria completa aqui: http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2017/01/11/interna_politica,838665/financial-times-ve-avanco-de-neonazismo-no-brasil-e-cita-bolsonaro.shtml

O jornal britânico cita, também, um estudo da Unicamp que mostra que, dos 200 milhões de brasileiros, há 150 mil simpatizantes do neonazismo. Segundo a publicação, a revelação de que integrantes do movimento neonazista brasileiro estariam sendo convocados por forças extremista da Ucrânia causa preocupação. O artigo lembra crimes cometidos por grupos extremistas no Brasil, como o caso de skinheads que atacaram um negro no metrô de São Paulo e um grupo gaúcho que invadiu uma festa judaica.

Em entrevista do site vice com a professora Adriana Dias da UNICAMP releva o perfil do Neonazista brasileiro: https://www.vice.com/pt_br/article/o-perfil-do-neonazista-brasileiro-uma-entrevista-com-a-pesquisadora-adriana-dias reproduziremos a entrevista na íntegra que revela o cenário preocupante para o país.

VICE: Algum fator específico faz um jovem se sentir atraído pelos pensamentos neonazistas?
Adriana Dias: O jovem brasileiro que é atraído por esse grupo é aquele que tem algum problema familiar e de relacionamento. Tanto é que a grande maioria das famílias, quando descobre que tem um filho neonazista, diz: "Nossa, eu jamais imaginei". Muitas vezes as famílias mal sabem que o adolescente tinha a tatuagem de uma suástica nas costas, por exemplo. São jovens que têm graves problemas familiares e de sociabilização, e eles procuram nesses grupos a resposta a por que eles não dão certo na vida. Nos grupos, é dito que eles não dão certo porque alguém já ocupou o lugar que seria deles. Isso é uma grande preocupação da antropologia. O neonazista acredita que existe um lugar natural para a raça branca que é a liderança sobre as outras raças. A mídia, segundo o neonazista, é toda judaica, pois construiu um perfil de um negro quase herói no Brasil porque ele vence no esporte, na música. Então é preciso destruir o judeu e o negro é preciso eliminar a ameaça nordestina para que o natural, que seria o lugar do jovem ariano, se recupere. É uma paranoia construída atrás da outra.

De acordo com suas pesquisas, qual é a média de adeptos por aqui?
Depende do que vamos chamar de adeptos. Eu faço muita diferença entre dois grupos: o primeiro é aquele que lê material neonazista com frequência, que é o simpatizante. Esse é neonazista. Ele está contaminado. Ou seja, ele baixa mais de 100 arquivos de 10 a 100 mega. Ninguém baixa mais de 100 arquivos com textos sobre a importância da raça, sobre como construir bombas, sobre a inferioridade dos negros, a não ser que esteja fazendo uma pesquisa. E não tem quase ninguém pesquisando o tema. Então, quem baixa esse material com certeza é simpatizante. São 150 mil pessoas baixando esse volume de material no Brasil, o que é um número muito assustador. E você vai ter 10% disso que são os líderes realmente. São pessoas que fazem passeatas, que saem na pancadaria, que exigem que os outros façam pancadaria, que ameaçam pessoas, que volta e meia fazem proselitismo na rede e que tentam, de alguma forma, coordenar o restante dos grupos. E tem os 10% desses 10% que são as pessoas que já passaram todos os limites possíveis e de quem a polícia já está atrás.

O maior número de neonazistas ainda predomina na região sul do país?
Lá os grupos são mais densos. Os maiores crimes aconteceram lá, mas não necessariamente entre descendentes de alemães. A pesquisa demonstra que o estado de maior concentração é Santa Catarina, depois Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná e Minas Gerais.

Quando o punk começou a ganhar adeptos no país, os nazistas eram os caras que iam às ruas dar porrada. A internet mudou o comportamento deles?
Na verdade, a internet intensificou esse comportamento na medida em que ela permite que as pessoas troquem muita informação entre si sem que a gente consiga localizar esses que vão às ruas para bater. O número de crimes homofóbicos no Brasil está absurdo, mas eles não são considerados como crimes de ódio. São tidos como lesão corporal, tentativa de homicídio ou como homicídio já realizado. Não tem como separar do crime comum o crime que teve demanda racial, demanda de ódio de um nordestino, de gays.

E qual é o tipo de ação deles na internet? O que eles fazem?
Eles disponibilizam informações. Vejo crianças de oito anos de idade citando Hitler nas redes sociais. Do tipo: "Quero ser rebelde, então vou citar Hitler". Isso é extremamente preocupante.

E qual é o tipo de ação deles fora da internet?
Normalmente, eles têm rituais de iniciação que envolvem agressões físicas. Mas eles também têm reuniões de treinamento paramilitares, reuniões de ideologia, eles produzem material. Existem vários zines neonazistas publicados no Brasil por esses grupos. Obviamente, eles se reúnem para produzir.

Qual é a maior discordância entre os grupos brasileiros?
Aqui no Brasil, a maior discordância é para ver quem manda. O que rolou em 2009, no Paraná, era isso. Lideranças neonazistas brigando para ver quem mandava mais; se era o Barollo, filiado ao PSDB aqui em São Paulo, ou se era o Bernardo, de Minas Gerais.

O cara que foi assassinado junto com a namorada?
Exatamente, em 2009. Então, assim, essa é a grande discussão deles. Quem manda mais, qual é o plano para tomar o poder no país. E muitos neonazistas hoje estão entrando para o Partido Arena.

Que partido é esse?
Um partido novo que aceita alguns grupos nacional-socialistas. Se você vir o vídeo da fundadora do partido no YouTube, vai notar que ela assume que está aceitando nacional-socialistas no partido.

Existe uma distinção forte de ideias? Por exemplo: aqueles que não gostam de negros, mas toleram nordestinos, ou coisas do tipo?
Alguns grupos aceitam mulatos, principalmente em São Paulo. No sul do país é mais difícil. Eles permitem a participação de mulatos, mas é para colocá-los nas linhas de frente, para eles serem presos. É uma estratégia muito clara. Até para depois eles poderem dizer que não são racistas. É uma estratégia muito bem pensada, inclusive.

Diante da reveladora entrevista, podemos perceber o problema que se revela para o país. As reivindicações neonazistas se fortalecem quando ganham respaldos nos discursos de políticos de extrema-direita que encontra aceitação até entre trabalhadores menos informados sobre suas pretensões e as implicações sociais caso esses ideais se transformem em ações de Estado. As ideias de culpabilidade de imigrantes e negros em está ocupando lugar dos brancos serve para desresponsabilizar os governantes de suas obrigações em promover políticas públicas de geração de emprego e renda.

O uso político dos termos esquerda e direita é referenciado na Revolução Francesa, em 1789, quando os liberais girondinos sentavam no lado direito defendendo os interesses da nobreza e da burguesia e os jacobinos sentavam no lado esquerdo no salão da Assembleia Nacional eram pequeno-burgueses ligados às suas origens rurais e pobres e defendiam os interesses dos trabalhadores e desempregados. Nos dias atuais, o termo esquerda é utilizado para descrever as pessoas que defendem e seguem o socialismo como organização econômica e social (idealizado por Karl Marx). Já o termo extrema-direta é utilizado para descrever as pessoas que defendem as ideias do nazismo (idealizado por Hitler) e do fascismo (que tem como um dos idealizadores Mussolini).

Benito Mussolini assumiu o poder na Itália em 1922 e implantou uma ditadura, estabelecendo perseguições, prisões, torturas e mortes contra os militantes de esquerda. Os fascistas defendia uma falso discurso nacionalista, para alimentar o ódio contra as minorias e estabelecer o estado-mínimo contra os trabalhadores e os sindicalistas acabando com disreitos trabalhistas. Em 1933, o nazismo triunfou na Alemanha agregando um novo ingrediente ao pacote fascista: a raça. Hitler quis purificar a sociedade alemã dos seres considerados “inferiores”, entre eles judeus, homossexuais, eslavos, ciganos, deficientes físicos e mentais. Segundo o Hitler, era preciso eliminar esses “bacilos” do corpo da sociedade para assegurar a supremacia ariana (branca).

Os neonazistas atualmente defendem a construção de um Estado fascista, onde prevalecem o nacionalismo extremo e a intolerância. Alguns estudos indicam uma relação entre o aumento do desemprego na parcela mais jovem da população e a ascensão de partidos neonazistas, principalmente nos países mais ricos.

A crise do capitalismo em todo mundo, o crescimento do desemprego e o agravamento dos problemas sociais fez os neonazistas adotarem um novo inimigo: o imigrante, sobretudo aquele vindos dos países subdesenvolvidos da América Latina, África e Ásia. Essa ideia racista/ xenófoba atraiu jovens desempregados e sem perspectivas de emprego para a extrema direita. Os neonazistas não se intitulam racistas, mesmo tendo práticas correspondentes à ideologia do racismo. Mesmo condenando os imigrantes, são eles que realizam trabalhos renegados pela população pela nativa, como limpar vidros, lavar carros, construção civil, lavar pratos, entre outras atividades que rendem baixos salários.

Alguns neonazistas começaram a integrar torcidas organizadas de futebol com o objetivo de propagar o ódio racial, passando a praticar atos preconceituosos, como ofensas e agressões a jogadores e torcedores negros.

O site Pragmatismo Político publicou 10 (dez) frases polêmicas do deputado Jair Bolsonaro que reproduziremos aqui. As frases revelam apologia ao racismo e desrespeito as minorias, vejamos:http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/08/as-10-frases-mais-polemicas-de-jair-bolsonaro.html

Confira abaixo algumas das frases mencionadas pelo deputado:
1. “O erro da ditadura foi torturar e não matar.” (Jair Bolsonaro, em discussão com manifestantes)
2. “Pinochet devia ter matado mais gente.” (Bolsonaro sobre a ditadura chilena de Augusto Pinochet. Disponível na revista Veja, edição 1575, de 2 de Dezembro de 1998 – Página 39)
3. “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí.” (Jair Bolsonaro em entrevista sobre homossexualidade na revista Playboy)
4. “Não te estupro porque você não merece.” (Jair Messias Bolsonaro, para a deputada federal Maria do Rosário)
5. “Eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados” (Bolsonaro para Preta Gil, sobre o que faria se seus filhos se relacionassem com uma mulher negra ou com homossexuais)
6. “A PM devia ter matado 1.000 e não 111 presos.” (Bolsonaro, sobre o Massacre do Carandiru)
7. “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater.” (Afirmação de Jair Bolsonaro após caçoar de FHC sobre este segurar uma bandeira com as cores do arco-íris)
8. “Você é uma idiota. Você é uma analfabeta. Está censurada!”. (Declaração irritada de Jair Bolsonaro ao ser entrevistado pela repórter Manuela Borges, da Rede TV. A jornalista decidiu processar o deputado após os ataques)
9. “Parlamentar não deve andar de ônibus”. (Declaração publicada pelo jornal O Dia em 2013)
10. “Mulher deve ganhar salário menor porque engravida” (Bolsonaro justificou a frase: “quando ela voltar [da licença-maternidade], vai ter mais um mês de férias, ou seja, trabalhou cinco meses em um ano”)

quarta-feira, 24 de maio de 2017

BNCC e o fim autonomia docente: a “nova geografia” a serviço do capital

A divulgação pelo Ministério da Educação-MEC, no mês de Abril de 2017, da Base Nacional Comum Curricular-BNCC nos causou inquietação diante da proposta para o ensino de geografia. Enquanto professor da área sinto-me agredido pela tentativa de padronização do ensino de forma a tentar nos transformar em reprodutores dos conteúdos prontos ofertados pelas empresas de apostilamento. Segundo o MEC, a BNCC será avaliada pela Conselho Nacional de Educação, provavelmente, ouvindo a sociedade em audiência pública. A proposta da BNCC, publicada, visa estabelecer parâmetros para as escolas com conteúdos pré-definidos, engessando o trabalho docente. Segundo o professor Luiz Carlos de Freitas, a BNCC visa responsabilizar escolas; punir ou premiar professores e diretores; facilitar a produção padronizada dos livros didáticos, aumentando o processo de privatização do ensino; e engessar a formação de professores.

A proposta afronta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDB que estabelece princípios (Art. 3º) que devem nortear a educação pública como: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e respeito à liberdade e apreço à tolerância. Já os artigos 12 e 13 asseguram as unidades escolares e aos docentes autonomia para elaborar e executar suas respectivas propostas pedagógicas e planos de trabalho docente. Como escolas e professores exercerão suas autonomias se a BNCC visa restringir o ensino a uma única proposta pedagógica?

Diante das críticas ao documento, o Ministério da Educação-MEC divulgou nota em seu site defendendo que a BNCC “preserva e garante como pressupostos o respeito, abertura à pluralidade, a valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais, identidades, contra preconceito de origem, etnia, gênero, convicção religiosa ou de qualquer natureza e a promoção dos direitos humanos”.

Entretanto, o debate que vem sendo realizado é que a BNCC tem claros objetivos de ajustar/padronizar as avaliações nacionais, bem como a prova nacional docente. Tal medida terá sérias consequências tanta na educação básica quando no ensino superior como: engessamento das instituições formadoras de professores e o apostilamento dos sistemas de ensino para assegurar elevados lucros as empresas, simplificando e infantilizando os materiais destinados às escolas públicas.

Assim, em vez de empoderar as escolas e os profissionais da educação como assegura a LDB, a Base visa estabelecer um controle suicida sobre os Projetos Políticos Pedagógicos das escolas. Essa medida pretende padronizar o que não se deve, pois a realidade sócio-econômica e educacional do país é muito diversa e as políticas públicas educacionais deve assegurar a oferta da educação com qualidade e não favorecer os grandes conglomerados produtores de apostilas/livros didáticos.

O Ensino de Geografia na BNCC: fim da autonomia docente e defesa da ausência da luta de classes

O documento estabelece a base apenas para o Ensino Fundamental: Anos Iniciais e Anos Finais. Uma questão grave foi a ausência da parte relativa ao Ensino Médio. Com as mudanças do Ensino Médio através da Medida Provisória 746, muito criticada, por definir como obrigatório apenas matemática, português e inglês, colocando os demais componentes curriculares como optativos, a BNCC não deu conta dessas questões.

Nessa perspectiva de padronização curricular e da existência de um documento apenas para o Ensino Fundamental, o texto base enviado ao Conselho Nacional de Educação, página 313, informa que “a BNCC está organizada com base nos principais conceitos da Geografia contemporânea. Esse pensamento visa assegurar que a compreensão do conhecimento geográfico ocorra sem levar em consideração os processos capitalistas de luta de classes e exploração em nome do lucro. A o ensino de geografia será condicionado a impedir a compreensão do espaço de forma crítica.

O MEC com a BNCC busca acabar com autonomia docente em elaborar seu plano de trabalho a partir do Projeto Político Pedagógico da escola como determina o artigo 206 da Constituição Federal que determina que o “ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”. Os princípios constitucionais estão sendo, de forma sutil, destruídos pela imposição da Base Nacional Comum Curricular.

Para os Anos Iniciais, a proposta é “ampliar as experiências com o espaço e o tempo vivenciados pelas crianças em jogos e brincadeiras na Educação Infantil, por meio do aprofundamento de seu conhecimento sobre si mesmo e de sua comunidade, valorizando-se os contextos mais próximos da vida cotidiana”(pg. 314). A ideia é possibilitar que as crianças construam sua identidade relacionando-se com o outro e valorizando as suas memórias e marcas do passado vivenciadas em diferentes lugares, ampliando sua compreensão do mundo.

Essa forma de ensino não permite que as crianças possam compreender a realidade social a qual está inserida é resultado da desigualdade social produzida pelo desenvolvimento da exploração capitalista. A geografia passa ter a o papel de construir o conformismo social, na medida em que buscar fazer com que os estudantes construam sua identidade com o lugar onde vive, mesmo sendo privado de uma série de direitos como: falta de habitação digna, saneamento básico, água tratada, assistência à saúde e educação pública, transporte coletiva de qualidade, segurança pública etc.

Para os Anos Finais é proposto uma articulação de diferentes espaços e escalas de análise, possibilitando que os alunos compreendam as relações existentes entre fatos nos níveis local e global, estabelecendo as interações entre sociedade e meio físico natural. Essa proposta incorpora-se processo de produção do espaço agrário e industrial em sua relação entre campo e cidade, destacando-se as alterações provocadas pelas novas tecnologias no setor produtivo, fator desencadeador de mudanças substanciais nas relações de trabalho, na geração de emprego e na distribuição de renda em diferentes escalas.

A proposta do MEC tenta mostrar o capitalismo como um sistema justo e capaz de assegurar emprego, renda e condições de vida digna para todos. Essa tentativa de “humanizar o capitalismo” está centrada na chamada pedagogia das competências defendida como caminho para superação dos problemas existentes na educação brasileira. Essa proposta pedagógica não passa de mais uma ação do capitalismo sobre as políticas educacionais dentro das recomendações das corporações transnacionais, pois os grupos econômicos e seus intelectuais defendem um aluno/trabalhador adestrado para o novo mercado de trabalho que não tem emprego para todos.

A BNCC impõe uma série de habilidades que os estudantes devem atingir ao final de série/ano letivo. Essas habilidades visam assegurar que os alunos, futuros trabalhadores precisam entender que o emprego está diminuindo e o “sucesso ou fracasso” na vida é culpa dos próprios trabalhadores que não se esforçou suficiente para ter sucesso na vida. Nessa perspectiva, a educação passa a ter um papel estratégico construir a cultura do conformismo social. Para ter sucesso na criação dessa nova cultura, a serviço do capital, vem sendo defendido para educação a pedagogia das competências e habilidades. A ideia dessa pedagogia é que os alunos/trabalhadores adquiram habilidades para que possam se manter no mercado de trabalho.

A política de enfraquecimento da autonomia docente faz parte desse pacote o qual está inserida a BNCC. O professor adaptado à lógica da pedagogia das competências é aquele que aceita os pacotes produzidos pelas empresas de apostilamento as quais defendem a padronização curricular com objetivo de aumentarem seus lucros e organizar a educação a partir dos interesses do capital. Esse “novo professor” não precisa pensar, planejar e transmitir os conteúdos técnico-científicos, como defende a Geografia Crítica centrada nos princípios marxistas: análise concreta da realidade concreta, desafiando os estudantes a entenderem os processos históricos que produzem a realidade social e econômica a qual estamos inseridos. O “novo professor” na lógica da BNCC, apenas deve repassar para os alunos os conteúdos das cartilhas prontas para que possam adquirir as habilidades necessárias que interessa ao capital.

O texto defende que os conteúdos devem priorizar o exercício da cidadania como tema transversal nos conhecimentos da Geografia a partir de “situações e problemas da vida cotidiana, tais como: estabelecer regras de convivência na escola e na comunidade; discutir propostas de ampliação de espaços públicos; e propor ações de intervenção na realidade, tudo visando à melhoria da coletividade e do bem comum” (pg. 316). O exercício da cidadania, na proposta do MEC, está alinhada a lógica da pedagogia das competências do conformismo social. Esse “novo ensino” da geografia visa, portanto, naturaliza a concentração de renda e as desigualdades sociais, típica da sociedade capitalista.

A BNCC estabelece ainda, por série/ano uma série de habilidades a serem alcançadas para todos os alunos, desenvolvidas em todas as áreas e por componentes curriculares que seguem as diretrizes das competências do século XXI. Essas habilidades pressupõem que “os alunos devem aprender a resolver problemas, a trabalhar em equipe com base em propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”.

Assim com a BNCC, o ensino passa a ter o papel de ser uma instituição disciplinar e repressiva na medida em que interioriza no aluno, desde criança, a obediência a hierarquias, horários, controles de presença, notas e o desempenho de tarefas pré-determinadas, quantificadas nos livros e apostilas. E depois, atua como qualificadora, na medida em que habilita o aluno, como futuro trabalhador, a exercer trabalho disponíveis a partir das habilidades impostas pelos materiais didáticos ofertados durante a vida escolar.

Movimento de renovação geográfica com a crise da Geografia Tradicional

Em meados da década de 1950 a chamada geografia tradicional entra em crise, fazendo com que a geografia buscasse novos conceitos e paradigmas. Essa mudança acontece diante dos desafios que se apresenta para os estudos geográficos, pois o modo de produção capitalista entra na fase monopolista. A partir desse momento, o capitalismo deixa de ter uma organização centrado em múltiplas empresas médias concorrendo no mercado e passa a ser organizado em grandes monopólios que globalizou o espaço terrestre a partir das empresas multinacionais.

Nesse novo cenário mundial, a realidade local passa a ser consequência de um processo globalizado a partir dos interesses capitalistas transnacionais. Assim, problemas como degradação ambiental, desemprego, aumento da pobreza e dos problemas sociais em determinado lugar é fruto dos interesses capitalistas a nível global. O estudo e compreensão dessa nova realidade passa a ser o instrumento de pesquisa da geografia.

Nessa busca da geografia por um novo objeto de estudo, surge 03 (três) novas correntes geográficas: Geografia Quantitativa, Geografia Cultural ou Fenomenológica e a Geografia Crítica.

A Geografia Quantitativa surge na perspectiva de explicar os fenômenos geográficos através de uma linguagem matemática. Para Milton Santos, “isso seria obtido por meio de combinações onde análises de sistemas, modelos e estatísticas seriam um elemento fundamental”. Assim, os estudos geográficos passam a serem insuficientes por estudar o mundo a partir de um olhar fragmentado do todo. Os estudiosos dessa ciência passaram a reduzir os problemas sociais, resultado da complexidade dos problemas gerados pela mundialização do capitalismo a partir de equação matemática.

Já a Geografia Cultural ou Fenomenológica baseia-se os estudos geográficos a partir das experiências pessoais vividas tendo como referências as noções de espaços e lugar, ou seja, aquele ambiente em que o indivíduo está ambientado e integrado, não sendo toda e qualquer localidade. O lugar passa a ser a localidade que tem significância afetiva para uma pessoa ou um grupo de pessoas. Assim, o objeto de estudo da geografia passa a ser a cultura e a vida social, numa permanente troca entre o indivíduo e a sociedade, tendo como pano de fundo as relações entre cultura e poder.

A Geografia Crítica, também chamada de Geografia Radical ficou conhecida com o movimento real de renovação dos estudos geográficos que rompe, definitivamente com os paradigmas da Geografia Tradicional. Esse novo pensamento geográfico está fundamentado nas ideias de Marx, estabelecendo limites e possibilidades.

O pensamento marxista proporcionava uma visão completa da realidade, sendo assim a Geografia Crítica poderia de uma forma global analisar a realidade. Assim, a história humana passa a ser compreendida como resultado do esforço humano em dominar a natureza através do avanço da exploração capitalista, através das grandes corporações internacionais, que leva ao progresso e nos levaria ao fim da própria humanidade. A geografia crítica dá ênfase e valoriza o espaço, pois é nele onde se processa a luta de classes. Assim, a ciência passa a analisar e compreender diversas problemas até então desconhecidos.

No Brasil, o pensamento crítico é construído na luta contra a ditadura militar que ceceava o pensamento crítico. Assim, com o processo de redemocratização, a volta dos exilados políticos e as greves operárias, especialmente no Estado de São Paulo, o pensamento crítico passa a dominar os estudos geográficos. Nessa perspectiva, a Geografia Crítica passa a denunciar o pensamento tradicional em despolitizar o pensamento geográfico e a dos quantitativistas em desconsiderar as linhas históricas das ações capitalistas que modificam o espaço geográfico. Os geográficos críticos, como Milton Santos, buscam estudar o espaço como resultado da dominação de classe, ou seja, da ação dos capitalistas em explorar a natureza, produzir desigualdade sociais e concentrar renda, gerando uma série de problemas sociais e ambientais.

Nossa análise sobre a BNCC em Geografia: Geografia Contemporânea

A BNCC para o ensino de geografia deixa claro que a base de elaboração das habilidades que os estudantes brasileiros devem ter ao final de série/ano estão fundamentados nos “principais conceitos da Geografia Contemporânea” (pg. 313). Essa nova corrente do pensamento geográfico surge como contraofensiva ao pensamento crítico na geografia.

A geografia contemporânea busca estudar a relação entre sociedade e natureza. Essa relação acontece pelo fato da sociedade atuar sobre a natureza, apropriando-se, transformando-se e possibilitando uma nova natureza que embora guarde algumas características originais constroem novas qualidades. Essa análise geográfica sobre a natureza deixa de considerar o processo de exploração capitalista como ação de uma classe (classe burguesa) como analisa os geográficos críticos.

Os geográficos conservadores buscam analisar o processo de internacionalização da economia numa perspectiva de santificar as empresas privadas como responsáveis em levar desenvolvimento as regiões mais pobres do planeta. Essa análise desconsidera o caráter ideológico do ensino da geografia pois esses geográficos estão preocupados com a destruição do planeta através do uso indiscriminado da tecnologia, mas explica que esse processo é resultado da ação da sociedade sobre a natureza, ou seja, generaliza o problema para culpabilizar a todos, desresponsabilizando a burguesia que em nome do lucro destroem e poluem.

Os desafios dos professores de Geografia com a BNCC

A partir da década de 1990 passou a ser difundido um novo padrão neoliberal a partir da valorização do individualismo como referência para ordenamento das práticas sociais de vida e trabalho. O lema self-made man (“homem feito por si mesmo”) − em outras palavras, “você é responsável pelo seu próprio sucesso ou fracasso”− foi afirmado pela indústria cultural (rádio, televisão, propagandas, teatro, cinema, publicidade, etc.) de vários modos. Nesse mesmo período, as forças neoliberais realizaram a reestruturação produtiva, promovendo o desemprego, a instabilidade, o aumento da produtividade e a flexibilização das relações de trabalho, ou seja, redução de direitos trabalhistas em todo mundo, atingindo a subjetividade dos trabalhadores/as e desconstruindo suas referências políticas de organização coletiva. É nesse cenário que o Ministério da Educação busca impor a pedagogia das competências e habilidades através da BNCC nas escolas de todo país.

A adoção de políticas neoliberais na educação produziu os efeitos devastadores. Além de manter ou aprofundar o achatamento salarial, viabilizou a intensificação e a precarização das condições de trabalho que afeta diretamente professores e estudantes. Apesar da existência de dispositivos legais que apontam na direção da valorização do trabalho docente e dos discursos governamentais que ressaltam a importância da educação para o país, nos anos de neoliberalismo vem predominando os baixos salários, as carreiras pouco atrativas, as escolas deterioradas, a falta de equipamentos e as instalações adequadas.

A desvalorização do trabalho educativo foi reafirmada por meio dos pacotes instrucionais e de gestão implementados até mesmo por governos que se autointitulam democráticos e diziam-se identificados com os anseios da classe trabalhadora. A BNCC tem objetivo de transformar esses pacotes instrucionais em políticas públicas. Os efeitos para educação pública serão incalculáveis do ponto de vista da emancipação humana ou do conformismo social.

A BNCC busca individualizar o trabalho docente, pois no seu processo de formação inicial os cursos de licenciatura deverão levar em consideração as diretrizes da Base. Ao mesmo tempo a chamada “reforma do Ensino Médio” prever o aproveitamento de créditos do Ensino Médio para o ensino Superior, resultando num processo de desvalorização do trabalho docente já na formação inicial por meio de aligeiramentos, simplicações e superficialiade nos processos pedagógicos destinados a formar os futuros professores. Inseridos sobre essas determinações, os trabalhadores da educação passaram a conviver (adaptando-se ou resistindo) com o individualismo como referência valorativa, tanto no planejamento e na execução de seu trabalho quanto na formação dos estudantes. Além disso, os trabalhadores enfrentam o dramático processo de transformação de sua ação profissional em trabalho simples de tipo industrial, isto é, desprovido de autonomia e controlado por mecanismos externos produtivistas.

Defendemos que o trabalho educativo deve ser reconhecido como trabalho complexo especializado de tipo artesanal, ou seja, controle dos meios e processos de trabalho pelos educadores através do processo de planejamento a partir do Projeto Político Pedagógico da escola. A resistência a esse modo capitalista de controle do trabalho docente deve ocorrer a partir do processo de ressignificação dos conteúdos trabalhados e nos materiais didáticos, dando vida e sentido a partir da realidade dos educandos.

Numa educação emancipadora que rompa com os objetivos capitalistas para educação através da pedagogia das competências, o trabalho docente deverá ser centrado em princípios que orientem o processo educativo: a cooperação (colaboração efetiva entre os sujeitos), a solidariedade (construção coletiva vinculada à condição e experiência da classe social, resultante da compreensão da condição histórica, da comunhão de atitudes e sentimentos, gerando a unidade política como forma de enfrentar e resistir às forças antagônicas), a gestão coletiva (atuação grupal nas tomadas de decisões) e autonomia (liberdade coletiva para tomar decisões sem imposições externas, considerando o projeto político-pedagógico da escola).

O trabalho educativo é por essência um trabalho criativo, exigindo que o profissional tenha condições pedagógicas e administrativas para controlar os meios, o tempo e os processos de seu próprio trabalho. Portanto, o trabalho educativo é incompatível com o produtivismo gerencialista da pedagogia das competências. Nesse sentido, só nos resta resistir a mais essa tentativa de controle sobre nosso trabalho, enquanto educadores.