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domingo, 1 de abril de 2018

Jesus não morreu pelos “nossos pecados” e sim por enfrentar o sistema

Nesta Sexta-Feira da Paixão, Caminho Pra Casa publica artigo exclusivo de um dos maiores biblistas vivos, o frade italiano Alberto Maggi. A tradução é do biblista brasileiro padre Francisco Cornélio. No texto, Maggi demole duas ideias que estão na base do cristianismo falsificado que os integristas sustentam há séculos: 1) Jesus teria sido morto “pelos nossos pecados”; 2) essa seria “a vontade de Deus”. A versão é insustentável com um exame realista e honesto dos textos bíblicos. Os Evangelhos são claríssimos: Jesus morreu porque confrontou o Templo, um sistema de dominação e exploração dos pobres de Israel. Jesus não inaugurou o tempo da culpa, mas o da misericórdia e o da vida plena para os pobres. A íntegra do artigo a seguir.

Por Alberto Maggi | Tradução: Francisco Cornélio

Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a resposta que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz, a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).

Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos nossos, mas também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto, não o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo assim, é inevitável que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi torturado, ferido, riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer um se sinta culpado … o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados! Corre-se o risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e distúrbios.

No entanto, basta ler os Evangelhos para ver que as coisas são diferentes. Jesus foi assassinado pelos interesses da casta sacerdotal no poder, aterrorizada pelo medo de perder o domínio sobre o povo e, sobretudo, de ver desaparecer a riqueza acumulada às custas da fé das pessoas.

A morte de Jesus não se deve apenas a um problema teológico, mas econômico. O Cristo não era um perigo para a teologia (no judaísmo havia muitas correntes espirituais que competiam entre si, mas que eram toleradas pelas autoridades), mas para a economia. O crime pelo qual Jesus foi eliminado foi ter apresentado um Deus completamente diferente daquele imposto pelos líderes religiosos, um Pai que nunca pede a seus filhos, mas que sempre dá.

A próspera economia do templo de Jerusalém, que o tornava o banco mais forte em todo o Oriente Médio, era sustentada pelos impostos, ofertas e, acima de tudo, pelos rituais para obter, mediante pagamento, o perdão de Deus. Era todo um comércio de animais, de peles, de ofertas em dinheiro, frutos, grãos, tudo para a “honra de Deus” e os bolsos dos sacerdotes, nunca saturados: “cães vorazes: desconhecem a saciedade; são pastores sem entendimento; todos seguem seu próprio caminho, cada um procura vantagem própria” (Is 56, 11).

Quando os escribas, a mais alta autoridade teológica no país, considerando o ensinamento infalível da Lei, vêem Jesus perdoar os pecados a um paralítico, imediatamente sentenciam: “Este homem está blasfemando!” (Mt 9,3). E os blasfemos devem ser mortos imediatamente (Lv 24,11-14). A indignação dos escribas pode parecer uma defesa da ortodoxia, mas na verdade, visa salvaguardar a economia. Para receber o perdão dos pecados, de fato, o pecador tinha que ir ao templo e oferecer aquilo que o tarifário das culpas prescrevia, de acordo com a categoria do pecado, listando detalhadamente quantas cabras, galinhas, pombos ou outras coisas se deveria oferecer em reparação pela ofensa ao Senhor. E Jesus, pelo contrário, perdoa gratuitamente, sem convidar o perdoado a subir ao templo para levar a sua oferta.

“Perdoai e sereis perdoados” (Lc 6,37) é, de fato, o chocante anúncio de Jesus: apenas duas palavras que, no entanto, ameaçaram desestabilizar toda a economia de Jerusalém. Para obter o perdão de Deus, não havia mais necessidade de ir ao templo levando ofertas, nem de submeter-se a ritos de purificação, nada disso. Não, bastava perdoar para ser imediatamente perdoado…

O alarme cresceu, os sumos sacerdotes e escribas, os fariseus e saduceus ficaram todos inquietos, sentiram o chão afundar sob seus pés, até que, em uma reunião dramática do Sinédrio, o mais alto órgão jurídico do país, o sumo sacerdote Caifás tomou a decisão. “Jesus deve ser morto”, e não apenas ele, mas também todos os discípulos porque não era perigoso apenas o Nazareno, mas a sua doutrina, e enquanto houvesse apenas um seguidor capaz de propagá-la, as autoridades não dormiriram tranquilas (“Se deixarmos ele continuar, todos acreditarão nele … “, Jo 11,48). Para convencer o Sinédrio da urgência de eliminar Jesus, Caifás não se referiu a temas teológicos, espirituais; não, o sumo sacerdote conhecia bem os seus, então brutalmente pôs em jogo o que mais estava em seu coração, o interesse: “Não compreendeis que é de vosso interesse que um só homem morra pelo povo e não pereça a nação toda?” (Jo 11,50).

Jesus não morreu pelos nossos pecados, e muito menos por ser essa a vontade de Deus, mas pela ganância da instituição religiosa, capaz de eliminar qualquer um que interfira em seus interesses, até mesmo o Filho de Deus: “Este é o herdeiro: vamos! Matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança” (Mt 21,38). O verdadeiro inimigo de Deus não é o pecado, que o Senhor em sua misericórdia sempre consegue apagar, mas o interesse, a conveniência e a cobiça que tornam os homens completamente refratários à ação divina.


Alberto Maggi, biblista italiano, frade da Ordem dos Servos de Maria, estudou nas Pontíficias Faculdades Teológicas Marianum e Gregoriana de Roma e na Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém. É autor de diversos livros, como A loucura de Deus: o Cristo de João, Nossa Senhora dos heréticos

Francisco Cornélio, sacerdote e biblista brasileiro, é professor no curso de Teologia da Faculdade Diocesana de Mossoró (RN). Fez seu bacharelado no Ateneo Pontificio Regina Apostolorum, em Roma. Atualmente, está em Roma novamente, para o doutorado no Angelicum (Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino), onde fez seu mestrado

Fonte: http://outraspalavras.net/maurolopes/2018/03/30/jesus-nao-morreu-pelos-nossos-pecados-e-sim-por-enfrentar-o-sistema/

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Pedagogia da Presença e habilidades socioemocionais: a nova versão neoliberal para educação

Uma das primeiras medidas imposta pelo Governo Temer, logo após o golpe parlamentar-jurídico-midiático foi a publicação de Medida Provisória 746, depois transformada na lei 13.415, que instituindo o chamado: “novo ensino médio”. O novo marco legal alterou significativamente a LDB que passou a ter Ensino Médio orientado aos ditames do capital. A ideia é dificultar o acesso ao ensino superior dos jovens trabalhadores, que utiliza a escola pública, que veem ocupando os bancos das universidades, especialmente depois da política de cotas.

Alinhado as políticas de Temer, em Sergipe o Governo Jackson passou a impor nas unidades de ensino o “novo Ensino Médio de tempo integral”. O processo de implementação vem acontecendo com uma série de problemas para rede estadual de ensino: destruição do Projeto Político Pedagógico das escolas, substituindo-o por uma nova concepção curricular chamada de Pedagogia da Presença e habilidades socioemocionais; desmonte da equipe docente e de gestão das escolas e a consequente substituição por uma equipe alinhada a essa pedagogia; encerramento da matrícula do ensino fundamental, do ensino noturno sem diagnósticos sobre a necessidade de matrícula, resultando numa redução significativa de recursos.

Além das questões elencadas, a imposição do “novo Ensino Médio de Tempo Integral” nas escolas de Sergipe, em função do alinhamento as políticas do Governo Federal, visa dificultar o acesso à educação dos jovens que não podem ou não querem estudar em tempo integral. Em muitos bairros de Aracaju e cidades do interior do Estado essa situação é real, pois as escolas que ofertam Ensino Médio estão sendo transformadas em tempo integral sem a garantia de uma escola alternativa a essa parcela significativa da população jovem do Estado. Com isso, o governo assume a orientação do capital que no mundo capitalista não cabe oportunidades para todos, por isso é preciso criar um exército de reserva semi-escolarizado.

A essência da nova lei foi instituir na educação básica brasileira as habilidades socioemocionais no currículo escolar. A ideia é que durante a vivência escolar, os estudantes possam já na fase de criança e adolescente construir seu “projeto de vida” e que o planejamento dos professores seja orientado para tal finalidade, vejamos o que diz a lei no Art. 35-A, parágrafo 7º:

Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais.

A inserção dos aspectos socioemocionais na educação visa inserir no currículo escolar a Pedagogia da Presença, versão reciclada da Pedagogia das Competências. A ideia dos empresários da educação é ensinar as crianças a serem indivíduos com menos tendência a sofrer de ansiedade e depressão com chances maiores de se tornarem profissionais resilientes, ou seja, que suportem a pressão no ambiente de trabalho. No entendimento dos pensadores do capital, o ensino centrado nessa concepção pedagógica ajudará os futuros adultos-trabalhadores a se adaptarem as novas tecnologias e ao processo de exploração patronal sem questionar.

Outra questão trabalhada nessa nova versão empresarial para educação básica brasileira é formar os jovens para conviverem com o mundo das incertezas e do desemprego. Assim, surge a necessidade das escolas formarem estudantes obedientes a aceitarem que o emprego está diminuindo e o “sucesso ou fracasso” na vida é culpa dos próprios trabalhadores que não se esforçou suficiente para ter sucesso na vida. Nessa perspectiva, a educação passa a ter um papel estratégico: construir a cultura do conformismo social.

Para esses jovens foi pensado uma formação voltada em promover o protagonismo juvenil para transformá-los em futuro “empreendedor”, capaz de se modificar e montar um portfólio. A ideia é preparar os jovens para que ele saiba que pode ser várias coisas, basta serem protagonistas de suas próprias vidas. A cultura do conformismo social é criada utilizando esses elementos ideológicos no processo de ensino-aprendizagem. Assim, desresponsabiliza o Estado na promoção de políticas públicas que promova desenvolvimento com distribuição de renda e inclusão social. Desresponsabiliza, também, o empresariado que precisam aumentar seus lucros reduzindo a mão-de-obra e os custos da mão-de-obra, ou seja, contratando menos trabalhadores para que possam trabalhar além de sua jornada diária diante da ameaça criada com a incerteza do desemprego.

As habilidades socioemocionais presente na pedagogia da presença visa, também, “reeducar os professores”. Os teóricos desse pacote empresarial entendem que os professores não tiveram formação ideal para trabalhar tais habilidades, daí a necessidade de serem formados para formarem os estudantes para em novo mercado de trabalho com as incertezas impostas pelo capital. O processo de ensino deve ser estruturado visando a construção de quatro pilares defendidos pelos empresários da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser, e aprender a conviver.

O Canadá implementou em 2009 no currículo escolar as habilidades socioemocionais com sérias consequências. Segundo o site do instituto Porvir que faz parceria com Instituto Airton Sena: http://porvir.org/especiais/socioemocionais/, tem havido mudanças significativa no currículo canadense da educação básica: “Por exemplo, para explicar o papel do Canadá na Segunda Guerra Mundial, o professor aborda menos fatos ou datas, coisas que qualquer um pode acessar facilmente, e vai falar mais sobre como os líderes canadenses mostraram resiliência no período”..... “Os docentes são encorajados a escolher recursos de aprendizagem que auxiliem os alunos a falar explicitamente sobre habilidades socioemocionais. Por exemplo, quando se estuda um romance, eles podem ser questionados sobre como o personagem principal demonstra resiliência, ou qualquer outra habilidade, e depois comparar esse comportamento com o de outros personagens de outros livros ou filmes”, exemplifica Jennifer Adams diretora de educação no país.

A ideia das habilidades socioemocionais é formar os estudantes a mostrarem resiliência no novo mercado de trabalho onde predomina a incerteza e o desemprego. Resiliência, segundo dicionário Aurélio, significa: “propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica, ou capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças”.

Fica evidente que a educação voltada as habilidades socioemocionais, ao protagonismo juvenil e a resiliência visa preparar as crianças e adolescentes para o conformismo diante do desemprego e exclusão social, para a exploração capitalista e para uma sociedade sem luta de classes. Esses futuros trabalhadores serão preparados para a pressão no ambiente de trabalho, bem para aceitarem o desemprego e as dificuldades como sua culpa exclusiva.

Uma das principais discussões apresentadas pelo Ministério da Educação do Brasil sobre o chamado “novo Ensino Médio” é a capacidade dos estudantes escolherem o que querem estudar. O novo texto da lei coloca como obrigatório no currículo apenas matemática, Língua Portuguesa e Língua Inglesa. Os demais componentes currículos passarão a ser optativo para os estudantes e a oferta optativa para o Estado. Segundo o novo artigo 36, parágrafo 5º da LDB, alterado pela lei do “novo Ensino Médio: “Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino médio cursar mais um itinerário formativo de que trata o caput”. A ideia aqui é retardar o acesso dos jovens, filhos dos trabalhadores que utilizam as escolas públicas, ao ensino superior.

Os sistemas de ensino estão obrigados a ofertar apenas três componentes curriculares. Entretanto, as disciplinas que estão dentro dos itinerários ciências da natureza e suas tecnologias e ciências humanas e sociais aplicadas os jovens poderão ter acesso ou não: a chamada escolha vem disfarçada da negação aos jovens de acesso ao conhecimento construído pela humanidade. Vale registrar que as provas do ENEM, base para acesso ao ensino superior, exige todos os itinerários.

Para resolver essa ausência de todos os componentes curriculares no processo ensino-aprendizagem, com base no “novo Ensino Médio”, os professores precisam ser preparados para estimular o protagonismo juvenil dos estudantes e realizar atividades cujos objetivos e metas são definidos conjuntamente com os alunos, que trabalham em duplas ou em pequenos grupos, para estimular a colaboração, a criatividade e a inovação, ou seja, preparar os estudantes a serem resilientes no ambiente de trabalho ao qual serão submetidos com baixa escolarização.

Assim, a ideia dos defensores da pedagogia da presença é a escola ter espaço para o aluno se manifestar e “ter autonomia” em seu próprio aprendizado. A relação entre professor e aluno deve ser numa perspectiva holística, porque os estudantes estão sempre na construção do Eu. Essa relação deve, inclusive, ultrapassar o espaço escolar e os professores devem ter disponibilidade de tempo sempre que o aluno precisar, pois seu trabalho não aconteceu somente na escola, mas também em sua casa, nos finais de semana, com emails, leituras e tutorias, ou seja, o professor deve demonstrar resiliência no seu trabalho, estando 24 horas por dia, todos os dias da semana, disponível para as demandas de seus estudantes.

A essa ofensiva do capital na educação cabe a resistência que será discutida na segunda parte.